Imagens e Palavras
A querela entre imagem e palavra não é nova. Quem hoje se desloque num meio de transporte coletivo relativamente estável, como o comboio, o avião ou mesmo um navio, conhece bem o ambiente: uma maioria está absorta nos telemóveis e computadores, e uma minoria nos livros, jornais e revistas.
Dir-se-ia que a imagem ganhou esta guerra, e que a palavra escrita está em regressão. Mesmo nos manuais escolares, o recurso à imagem, escasso em tempos idos (até pelo custo de produção e impressão dos manuais), está omnipresente.
Mas é uma falsa questão: os meios informáticos estão cheios de textos, e a imprensa carregada de imagens. Não é por aí que as questões se levantam.
Nos conturbados tempos da Reforma, os Protestantes defendiam a livre leitura e interpretação da Bíblia; os disciplinados Católicos recomendavam a palavra dos pregadores, que dariam as boas respostas a todas as questões. Desse cisma resultaram as igrejas protestantes, viradas a celebrações austeras e despojadas de imagens, e as igrejas católicas, com um ou mais púlpitos, e cheias de imagens e quadros pios, que ajudavam a transmitir dogmas a um povo maioritariamente analfabeto.
Tal como hoje: a aceitação completa do princípio “uma imagem vale mais que mil palavras” leva à desvalorização do texto e, pior ainda, à aceitação acrítica da imagem, tornada verdade absoluta.
Ora, como tudo quanto seja comunicação, a imagem pode ser manipulada e distorcida, até atingir o objetivo visado. Bem o sabem os profissionais da propaganda, política ou comercial.
As imagens que irrompem nas reportagens da guerra atual carecem de interpretação. Tal como os católicos da Contra Reforma precisavam dos pregadores para explicar as imagens devotas, os modernos telespetadores carecem de comentadores para explicar as imagens de guerra.
E, tal como havia bons e maus pregadores, também há bons e maus comentadores. Sobretudo quando os comentários estão direcionados, à partida.
Quem pensou que o famoso VAR do futebol resolveria todas as questões pecou por angelismo: as pessoas continuam a ver “o que querem ver” e não “o que estão a ver”. Do mesmo modo, se as imagens de guerra são neutras (como o VAR), os comentários não são.
De modo que chegamos a situações curiosas. Por exemplo: segundo as notícias, os russos estão a ocupar a central nuclear de Zaporijia; esta está a ser alvo de bombardeamentos de artilharia, ao que se diz, dos russos; logo, os russos estão a bombardear-se a si mesmos...
Ninguém põe em dúvida que a Rússia é o país agressor. Consequentemente, sofreu uma série de sanções, entre as quais o bloqueio das suas emissões televisivas, o que está de acordo com o espírito de cruzada entretanto criado.
Se isso impediu a propaganda russa, também impediu também o acesso a informação contraditória, como se viu, aliás, nos Balcãs e no Iraque.
Resta-nos aguardar o fim da guerra (esperemos que em breve) e a escrita da História...