Primeira ministra da Finlândia
Esta semana um dos temas quentes um pouco por toda a Europa foi o que a Primeira Ministra finlandesa Sanna Marin fez ou deixou de fazer numa festa entre amigos. Na verdade é surreal que isto seja tema mas o que é facto é que para os pudicos do costume a dita não pode ser uma pessoa normal. Não se pode divertir nem sorrir, não pode mesmo que jovem viver aquilo que é tão normal naquela idade. Vivemos num tempo em que andar triste e cabisbaixo é a melhor forma de fugirmos ao escrutínio do povo. As pessoas são invejosas. Cada vez mais. Isso faz com que andar bem disposto alegre e contente, ir a uma festa e divertir-se com um sorriso nos lábios, passou a ser pecado. Não se pode esboçar um ar de magia que logo alguém vem acusar disto ou daquilo. Não é só na Finlândia, em Portugal é igual. Como dizia alguém um dia, de facto a última sofisticação é passar despercebido. Qualquer pessoa que se mostre de bem com a vida é logo alvo de perguntas, é posta em causa e rapidamente difamada porque nesta Europa velha e caduca as pessoas que são alegres ou bem sucedidas são perseguidas e postas em causa.
Este caso é só mais um entre tantos que têm surgido nos últimos tempos. Veja-se bem, uma pessoa com 36 anos, na flor da idade, não pode fazer aquilo que qualquer jovem da sua idade faz. Beber um copo, sorrir, brindar à vida. Como se o facto de ser primeira ministra lhe castrasse a possibilidade de ser feliz. Como se o facto de ter uma posição de relevo lhe condicionasse a juventude, como se quem assume estes cargos tivesse a obrigação de estar permanentemente sisudo e mal disposto. Nós, os que ainda lutamos por um mundo menos claustrofóbico devemos insurgir-nos contra o que nos estão a tentar fazer, mais, não nos podemos calar quando nos estão a tentar impor formas de estar e comportamentos. Aquilo que se passou esta semana foi do mais nojento e perverso que vi mas é ao mesmo tempo um sinal muito perigoso do que está para vir. Querem obrigar-nos a ser regrados por um conjunto de padrões que não são os nossos, que vão contra a nossa essência, que prostituem a condição mais bonita e genuína de um ser humano. O mundo é por estes dias um lugar perigoso para se habitar, é preciso ter cuidado com as opiniões que defendemos, sob pena de sermos autenticamente trucidados em praça pública.
Não, não é machismo como muitos logo vieram reclamar. É mesmo estupidez, a estupidez humana no seu mais decisivo esplendor. Talvez por isso seja cada vez mais difícil atrair bons quadros para a causa pública. Qualquer que seja a pessoa ou o seu trabalho, sai de lá queimado. Sobram por isso os energúmenos, os corruptos e os aproveitadores que não se importam de correr riscos para atingir os seus próprios objectivos. Os bons foram-se embora, bateram com a porta. Não compensa financeiramente e muito menos ao nível da imagem. Quem é que hoje em dia, sendo bem sucedido, com um bom ordenado e tendo a sua privacidade bem salvaguardada se mete no meio desta lama? É impossível, não compensa. Acho sinceramente que está na altura de todos nós refletirmos sobre os nossos valores e o futuro que queremos deixar para os mais novos. De pensarmos sobre o que é que andamos aqui a fazer, a forma como lidamos com as redes sociais e a facilidade com que lançamos suspeitas sobre outras pessoas. Tornámo-nos mesquinhos, pequeninos e falsos. Não queremos fazer mas também não deixamos fazer. É esta postura irresponsável que vai dando espaço para que movimentos extremistas surjam no meio de nós porque muita gente está farta e cansada.
Uma primeira ministra, das mais jovens de sempre, foi posta em causa porque foi apanhada numas fotografias a divertir-se. Isto lido assim parece ridículo mas foi precisamente isto que se passou. As pessoas têm que perceber de uma vez por todas que o objectivo é temos felizes, termos uma vida boa, lutarmos pelos nossos ideais sem que isso ponha em causa a nossa essência. Ninguém tem o direito de se meter na vida dos outros muito menos quando a única coisa que foi feita foi viver. Cargo algum e posição alguma deve impedir-nos de sermos o que somos e de fazermos o que todos fazemos. Muito bem estaríamos nós, se quem nos governa assumisse que tem uma vida privada para além das suas obrigações. Parece que nos dias que correm temos que esconder coisas que deveriam ser perfeitamente naturais. São os inquisidores dos novos tempos, escondidos atrás de uma capa do que é aparentemente correto, disfarçados de boas intenções que nos querem fazer crer que temos que funcionar sobre as suas regras.
A primeira ministra da Finlândia fez o que qualquer pessoa saudável da sua idade deveria fazer. Estar com os amigos, divertir-se, aproveitar os momentos próprios para fazer o que bem lhe apetece. Julgá-la por isso é julgar tudo o que nós somos. É nosso dever, insurgirmo-nos contra quem a critica. É o papel de cada um de nós não permitir que a sociedade se torne num espartilho moral. Somos todos nós que temos que lutar de uma vez por todas contra esta gente que quer transformar o errado no certo e o certo no errado. É nosso dever não nos deixarmos condicionar por quem nos quer fazer pensar que o que defendemos e o que sempre fizemos está errado. Evoluir não significa mudar tudo, evoluir é acima de tudo respeitar aquilo que somos.