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Irmãos legítimos e uma democracia bastarda?

Nesta sexta-feira, o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, realizou uma conferência de imprensa em Luanda na qual, para surpresa de muitos, afirmou que o MPLA não ganhou as eleições angolanas. Aventou que a Comissão Nacional de Eleições de Angola (CNEA), deturpou as atas eleitorais em favor do MPLA, atribuindo-lhe uma maioria absoluta sem tradução naquela que foi a real vontade popular.

É curioso que, mesmo analisando os dados oficiais da CNEA, o MPLA perdeu mais de 1 milhão de votos, 26 deputados. A UNITA sobe de 50 para 90 dos 220 deputados da Assembleia Nacional e vence as eleições em Luanda com dois terços dos votos. Se os dados forem aqueles da oposição, e de algumas ONG´s internacionais, pode bem ser que o partido mais votado terá sido a UNITA mas, é possível que nunca se saiba ao certo.

Adalberto acrescenta que o MPLA está ininterruptamente no poder desde 1975, e pensa que Angola é um “quintal da sua propriedade”. Alguns analistas ocidentais acrescentam que o MPLA é um sucedâneo neocomunista, muito na linha venezuelana ou chinesa. E que só tolera uma oposição como a UNITA, se e quando, esta não questionar a governação hegemónica do partido governante, nem criticar os interesses das elites económicas e políticas de Angola.

Nesta campanha eleitoral muitas espinhas foram enviadas ao poder angolano. Desde a suposta oligarquia que gere as empresas públicas e o enriquecimento de membros do governo e suas famílias, de que Isabel dos Santos é um exemplo mediático. A corrupção das instituições, em especial os tribunais, num país onde os juízes são diretamente escolhidos pelo governo. Onde a Jota partidária açambarca os melhores empregos do Estado e onde a comunicação social é dócil com o governo e ignora a oposição. Um exemplo disso é o fato que a conferência do líder da UNITA não apareceu na televisão pública, a TPA, ficando a população angolana a saber dela pelos canais portugueses vistos em Angola.

O argumento mais audível é a fraca qualidade técnica dos governantes, num país onde segundo a FAO, 70% da população vive com menos de 3 euros por dia. Onde a Constituição tem todos os preceitos de unidade marxista, mas onde a pobreza extrema coabita com uma riqueza luxuriosa.

Mas o ponto mais ríspido é, segundo a UNITA, o desrespeito pelos elementares direitos humanos, corroborados pelos últimos relatórios da ONU e da Amnistia Internacional. É sintomático que esta semana, quando o repórter da CNN entrevistava transeuntes no centro de Luanda, a polícia não teve qualquer pudor em prender sumariamente aqueles que manifestavam apoio à oposição. Creio, no entanto, que, apesar de tudo isto, houve uma evolução positiva nas últimas duas décadas e Angola tem um registo mais favorável que a maioria dos países centro-africanos, onde a violência política é a norma. A economia angolana cresceu e a qualidade de vida também. O ensino e saúde melhoraram. E qualquer análise terá necessariamente que ser num contexto de relatividade.

A verdadeira questão é saber se os recursos que o Estado angolano dispõe, nomeadamente do petróleo e diamantes, são usados judiciosamente, ou equilibradamente distribuídos à população? Deixo esta resposta à análise de cada leitor!

O problema é, crêem muitos, na governação ininterrupta do MPLA há 47 anos. O partido fundiu-se com o Estado. A elite governativa tenderá a fazer tudo para sobreviver.

À memória vem o massacre de 1992, onde nas primeiras eleições angolanas nem o MPLA nem a UNITA tiveram maioria. Seguiu-se o assassinato de milhares de dirigentes da UNITA, incluídos deputados eleitos. Ficou conhecido como o “Dia das Bruxas” angolano. Há sempre um receio subconsciente que, no extremo, algo semelhante poderá repetir-se.

Fica finalmente uma análise importante. A de saber como nós, portugueses, lidamos com estas idiossincrasias angolanas?

A relação entre Angola e Portugal é, certamente, a mais complexa da CPLP. E há várias razões. A descolonização de Angola foi a mais infeliz. A descolonização não acabou com a guerra. A elite angolana vê os políticos, os jornalistas e os juízes portugueses com muita desconfiança. Vêm Portugal como um parceiro “pobre” e decadente da Europa, do qual, no “deve e haver” económico, os angolanos saem a perder.

Em conjunto, Portugal tende a optar por um relacionamento um pouco amnésico, condescendente com o governo angolano, no receio que (fundado ou não), se pisar o risco, Portugal sai do comboio angolano, permitindo a entrada cada vez maior de franceses, mas, acima de tudo, de chineses. Acima de tudo, este é um problema de ambas elites. Os dois povos são naturalmente irmãos e respeitosos.

Diz-se que “O futuro de Angola é brilhante!” Só nos falta saber qual a luz que a fará brilhar.