Análise

A amnésia selectiva

Deputada socialista acusou DIÁRIO de manipulação da informação

Uma histórica militante do PS-M ligou-nos ontem, indignada com o que estava a ler. “Nunca vi um ataque destes a um jornal, feito por alguém de esquerda”. Referia-se à ‘crónica’ assinada por Elisa Seixas, com o título ‘Talvez assim seja pela última vez’.

Já nada nos surpreende, mas o que foi escrito, numa reacção a uma notícia do DIÁRIO, e que bem podia ter sido feita ao abrigo do direito de resposta, revela muito sobre a autora, a deputada que em rodapé do seu correio electrónico costumava citar Simone de Beauvoir: “Basta a minha voz para que o mundo tenha uma voz. Quando ele se cala, a culpa é minha.” Os gestos ficam com quem os pratica e pertencem a um domínio que nos recusamos abordar neste contexto, já que aqui apenas importa sublinhar que a acusação sem provas de manipulação da informação é particularmente grave, tanto mais que é assinada por alguém com responsabilidades acrescidas.

A notícia do DIÁRIO é factual e verdadeira. Na mesma ficou claro que faltou e que justificou. Até foram dados motivos óbvios para as “baldas” e, por muito que lhe custe, não tinha de ser ouvida. Nenhuma das partes atendíveis o foi neste trabalho, feito com base numa fonte oficial única, pública e atribuída. Mas se desconfia do registo de faltas da Assembleia, isso não lhe dá o “direito fundamental” a pôr em causa um órgão de comunicação social e o jornalista, com uma acusação infundada e leviana de “manipulação”.

A notícia do DIÁRIO não é inédita. Temos publicado trabalhos semelhantes ao longo de décadas, todos assinados pelo jornalista Jorge Freitas Sousa e com o mesmo critério. Daí que se lamente a amnésia selectiva da deputada do PS. Antes, os parlamentares do PSD e o actual presidente da ALM estavam entre os mais faltosos. Nessa altura, o PS elogiava o nosso trabalho de escrutínio e usava-o como argumento partidário. Agora, vá lá saber-se porquê, uma deputada protesta. A coerência em política é uma utopia.

A queixosa calou-se nas páginas de opinião no DIÁRIO por iniciativa própria, mas importa lembrar que beneficiou de um espaço que lhe foi generosamente concedido – diga-se, após insistente pedido –, para escrever sobre o que quisesse, desde que com relevante interesse público. Fê-lo quinzenalmente, desde Janeiro de 2020, sem qualquer interferência editorial da nossa parte. Apenas intervimos para salvaguardar o compromisso estabelecido, quando os textos não chegavam, quando vinham com caracteres a mais e quando, para surpresa nossa, constatamos que, sem qualquer aviso prévio por parte da colaboradora tão pródiga em princípios, era anunciada como colunista de um outro jornal regional.

Na hora da despedida, apesar do recurso à vitimização insultuosa, mantivemo-nos no mesmo patamar de não intromissão nos conteúdos escritos, até porque prezamos a liberdade e o pluralismo, presumindo que uma deputada tem consciência de tudo o que partilha e das implicações daí decorrentes, mesmo que se perceba a intenção de politizar um assunto que alimenta o ego de algumas claques fanáticas.

Não percebemos se a deputada em causa alguma vez pensou que teria um tratamento de privilégio ou de excepção por ser colaboradora do DIÁRIO. Elisa Seixas vinca bem essa condição no seu escrito, como se, em matéria noticiosa, o estatuto lhe desse qualquer vantagem em relação aos demais. Aliás, o facto de ter batido com a porta quando foi notícia indicia que a colaboração “a título gracioso” que prestava, como o fazem todos os que connosco colaboram, afinal não era por uma questão de serviço público, mas sim para se promover e tirar vantagens que em nenhum momento lhe foram concedidas, nem a qualquer outro colaborador.

Um deputado que treslê devia ter destino traçado. Um deputado que não tem poder de encaixe devia mudar de vida. Um deputado que ambiciona ser provedor do leitor devia pedir urgentemente suspensão do mandato. Era bem mais honesto do que dar palpites sobre como se faz jornalismo revelando completa ignorância sobre um conjunto de regras, entre as quais, a isenção.

A política activa dispensa amadores convencidos que são referência, pedantismo intelectual insuportável e os agachados sem escrúpulos que mendigam lugares, espaços e mordomias. Por isso, cabe ao PS-M tudo fazer para termos uma ‘Madeira Melhor’, começando por casa, rodeando-se dos mais capazes, o que implica não desperdiçar quadros de reconhecido mérito e despachar de vez os que geram divisionismos e os que andam nos grupos privados a mobilizar vontades para “acabar” com os críticos.

Cabe apenas ao PS-M decidir se Elisa Seixas fará parte da lista de candidatos nas Regionais, até porque este já é tempo de escolhas, na certeza que irá colher o que plantar. Para o bem e para o mal.

Com toda a legitimidade, em relação ao DIÁRIO, a deputada fez a escolha que lemos. “Talvez assim seja” melhor para a própria e, quem sabe, para a Madeira.