Moscovo procura aumentar valor de 'commodities' russas
A Rússia procura com a guerra na Ucrânia, a curto prazo, corroer a economia da Ucrânia e aumentar o valor das suas próprias 'commodities' nos mercados globais, disse à Lusa o diretor da consultora canadiana SecDev.
Em entrevista à Lusa, Robert Muggah, diretor da SecDev, empresa de consultoria de risco geopolítico e digital, afirmou não ter dúvidas de que a "rutura e degradação das capacidades minerais críticas e de hidrocarbonetos da Ucrânia também foram, sem dúvida, parte dos cálculos" da Rússia para iniciar esta guerra, em 24 de fevereiro.
"A Rússia tem vários motivos para invadir a Ucrânia. Estes vão desde preocupações de segurança sobre a NATO, até ao desejo de aprofundar a dependência europeia dos hidrocarbonetos russos", avaliou o especialista.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 12 milhões de pessoas de suas casas -- mais de seis milhões de deslocados internos e mais de seis milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invasão russa -- justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que está a responder com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos os setores, da banca à energia e ao desporto.
Recentemente, a SecDev analisou a riqueza natural da Ucrânia e a sua apropriação pela Rússia, estimando que uma parcela significativa dos recursos naturais ucranianos está agora sob controlo das forças russas.
Os territórios ucranianos ocupados foram assim divididos em três áreas: a chamada República Autónoma da Crimeia; as fronteiras das denominadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk; e novos territórios ocupados por tropas russas após 24 de fevereiro deste ano.
A SecDev esclareceu que uma parcela significativa das águas ucranianas nos mares Negro e Azov, bem como as águas pertencentes à zona económica exclusiva da Ucrânia, não estão "ocupadas", mesmo que estejam nominalmente sob o controlo das forças armadas e da marinha russas.
Apesar da influência indireta russa sobre as águas ucranianas, os depósitos localizados nessas áreas ostensivamente "não ocupadas" são descritos pelo SecDev como sendo controlados pelo lado ucraniano.
"As perdas minerais conhecidas mais significativas para a Ucrânia estão associadas aos depósitos de carvão no Donbass. A SecDev estima que 63% das minas e/ou pedreiras de carvão ucranianas relatadas estão sob o controlo da Rússia/Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, com os 37% restantes distribuídos pelo resto da Ucrânia", disse à Lusa Robert Muggah.
O valor total das reservas de carvão ocupadas pela Rússia, tendo em conta os preços atuais, é de aproximadamente 12 biliões de dólares (11,95 biliões de euros), frisou o cientista político.
A Rússia também ocupa áreas ucranianas com consideráveis depósitos de minério de metal. A SecDev estima que as áreas ocupadas pela Rússia contenham até 27% dos depósitos de minério de ferro do país, 50% dos depósitos de minério de manganês e 10% dos depósitos de minério de titânio.
A consultora canadiana estima ainda que a Rússia ocupe atualmente território ucraniano e áreas marinhas com significativos campos de petróleo e gás.
"De facto, a Ucrânia parece ter perdido até 11% dos seus campos/poços de petróleo. A ocupação russa também fez com que a Ucrânia perdesse o controlo de 16% dos campos/poços de gás natural. A Ucrânia perdeu ainda o controlo sobre um conjunto significativo de depósitos de terras raras, lítio e metais preciosos. Especificamente, a Rússia controla agora efetivamente 100% dos seus suprimentos de estrôncio, 50% de césio, 50% de rubídio, 50% de tântalo, 43% de nióbio e 25% de lítio", explicou o canadiano.
No total, o valor estimado dos recursos minerais ucranianos sob controlo russo é de cerca de 12,5 biliões de dólares (12,45 biliões de euros), até ao momento.
E se, a curto prazo, a Rússia procura corroer a economia da Ucrânia e aumentar o valor das suas próprias 'commodities, a longo prazo as ambições de Moscovo são outras.
"A longo prazo, a Rússia pretende garantir o controlo da cadeia de fornecimento de produção e refinamento para melhorar a sua competitividade nas cadeias de fornecimento de energia verde", observou Muggah.
De olho na energia verde, a Rússia entende que, para ser competitiva, precisa de pelo menos garantir uma maior influência sobre as cadeias de fornecimento de produção e refinamento.
"A Rússia está bem ciente do novo grande jogo sobre minerais críticos e terras raras. Desencadeada pelo Acordo Climático de Paris, a transição verde está a precipitar uma mudança dramática da dependência de hidrocarbonetos para o investimento em energia fotovoltaica, turbinas eólicas e energia nuclear, bem como as aplicações - desde ímanes de alta potência e supercondutores, a veículos elétricos - que farão isso acontecer", disse.
Há agora uma corrida em andamento para garantir recursos-chave, como lítio, cobalto, coltan, manganês, níquel e terras raras e a Rússia fará de tudo para não ficar de fora, avaliou o diretor da SecDev.