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'Media' públicos angolanos não são isentos na cobertura da campanha das eleições

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A imprensa pública angolana não é isenta na cobertura da campanha das eleições de 24 de agosto em Angola, segundo analistas contactados pela Lusa, os quais dizem ser fator que acentua desconfianças quanto à lisura do processo eleitoral.

O jornalista Reginaldo Silva, do Conselho Diretivo da Entidade Reguladora da Comunicação Social em Angola (ERCA), classifica de "negativa" a cobertura televisiva.

"Há excesso de MPLA [poder]. É um excesso de João Lourenço [candidato do MPLA à Presidência da República] até dizer, basta. Isso, se comparado com o tratamento que depois dão a outras as outras candidaturas. Em meu entender, há uma violação quer do espírito, quer da própria lei", sustenta.

Reginaldo Silva acrescenta que se se contabilizar o tempo dado a cada candidatura o desequilíbrio é "esmagador".

"A nossa lei eleitoral tem um capítulo consagrado à campanha eleitoral e é fácil constatar esse tipo de violações. Seja por essa desproporção na cobertura, e normalmente a TPA [Televisão Pública de Angola], que é aquela que tem mais responsabilidades (...) se formos a contabilizar em termos de minutos é esmagadora, esmagadoramente favorável ao partido no poder e ao seu candidato, João Lourenço", afirma.

Esta situação "constitui motivo suficiente para as restantes candidaturas, certamente com destaque para a UNITA [oposição], protestarem", acrescenta.

Luísa Rogério, jornalista do estatal Jornal de Angola e atualmente presidente da Comissão de Carteira e Ética, órgão fiscalizador da atividade jornalística em Angola, considera que a campanha eleitoral "poderia correr muito melhor".

"Tinha muitas expectativas relativamente à cobertura dos 'media', tanto públicos quanto privados. É o quinto pleito e fico com a perceção, posso estar errada, que há alguns retrocessos ou pelo menos que poderíamos ter algumas melhorias substanciais e não temos", adianta.

"Há várias avaliações feitas, mesmo a olho nu que, principalmente nos audiovisuais, para referir na televisão pública [TPA -- Televisão Pública de Angola] há um tratamento privilegiado do partido no poder e das ações do Governo (...) Não há uma diferenciação entre aquilo que é a atividade do Governo e a atividade do partido no poder. O governo é de gestão, estamos em período eleitoral mas, de vez em quando, vemos coisas que realmente nos preocupam", acrescenta.

Luísa Rogério opta pelo politicamente correto: "Os valores universais do jornalismo não estão a ser tidos em conta aqui porque há um desequilíbrio, eu ia a dizer um grande desequilíbrio, mas para não exagerar, para ficar no âmbito do politicamente correto e dar o benefício da dúvida, então vou na expressão 'certo desequilíbrio'". 

O papel dos jornalistas angolanos é condicionado pelas chamadas "orientações superiores" e para Luísa Rogério, a solução está na "autocensura".

"Está claro que há autocensura, mas também está claro que pelo menos tem-se a perceção de que existe excesso de zelo por parte dos editores e dos diretores também", sustenta Luísa Rogério, que acrescenta: "Há mais do que autocensura. Há excesso de zelo por parte de editores, diretores de informação e também alguma orientação por parte de estruturas ligadas ao poder".

Alguns jornalistas refugiam-se no anonimato e preferem fazer as queixas sem ser por escrito.

"Não tenho nenhum caso presente, por escrito, de alguns jornalistas ter escrito e ter sido alterado, mas tenho vários relatos de jornalistas que preferem o anonimato, que não se querem identificar, alegando a interferência dos editores, que supostamente estão a cumprir as famigeradas famosas ordens superiores no sentido de adulterarem o conteúdo dos seus trabalhos ou pelo menos dar-lhes uma outra via (...) no sentido de direcionarem os seus textos. Essas indicações, nós temos", vinca. 

Comparando com o que se passou na cobertura pela imprensa das primeiras eleições em Angola, em 1992, Luísa Rogério vê diferenças substanciais.

"Em 1992, vamos ver os meios da época, havia um maior equilíbrio e os órgãos eram estatizados (...) e hoje, 30 anos depois, estamos diante de uma situação que configura claro retrocesso (...) Basta fazer uma comparação, vermos os jornais da época e comparamos com o panorama mediático atual. Portanto, alguma coisa não está bem. Eu acho que se os jornalistas fossem mais ousados, principalmente aqueles que têm poder de decisão, editores, diretores, se arriscassem mais, a situação também podia mudar um bocadinho", opina.

Reginaldo Silva divide a cobertura jornalística em duas partes. A que é feita pelos repórteres e os espaços de análise e comentário político.

"Aí é que eu acho que as coisas são ainda piores, porque nesses espaços todos, a TPA e a TV Zimbo [ex-privada que passou para as mãos do Estado angolano] (...) a maior parte dos que são chamados a comentar, com um ou duas exceções ou três no máximo (...) é mesmo favorável ao partido no poder, mas favorável abertamente", diz.

"Isto é que é preocupante. Como é que numa campanha eleitoral os espaços editoriais não têm contraditório", questiona.

Mais de 14 milhões de angolanos, incluindo residentes no estrangeiro, estão habilitados a votar em 24 de agosto, na que será a quinta eleição da história de Angola.

Os 220 membros da Assembleia Nacional angolana são eleitos por dois métodos: 130 membros de forma proporcional pelo chamado círculo nacional, e os restantes 90 assentos estão reservados para cada uma das 18 províncias de Angola, usando o método de Hondt e em que cada uma elege cinco parlamentares.

Desde que entrou em vigor a Constituição de 2010 que não se realizam eleições presidenciais, sendo o Presidente e o vice-presidente de Angola os dois primeiros nomes da lista do partido mais votado no círculo nacional.

No anterior ato eleitoral, em 2017, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) obteve a maioria com 61,07% dos votos e elegeu 150 deputados, e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) conquistou 26,67% e 51 deputados.

Seguiram-se a Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), com 9,44% e 16 deputados, o Partido de Renovação Social (PRS), com 1,35% e dois deputados, e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), com 0,93% e um deputado.

A Aliança Patriótica Nacional (APN) alcançou 0,51%, mas não elegeu qualquer deputado.

Além destas formações políticas, na eleição em 24 de agosto estão ainda o Partido Humanista (PH) e o Partido Nacionalista da Justiça em Angola (P-Njango).