Kiev investiga intenções russas na morte do maior empresário de cereais
A morte do importante empresário dos cereais da Ucrânia, Oleksiy Vadatursky, e da sua mulher, num ataque russo, está a causar consternação e a levantar a suspeita que o homicídio foi intencional e pode significar um novo bloqueio portuário.
O recém-nomeado procurador-geral da Ucrânia, Andriy Kostin, adiantou esta segunda-feira que os investigadores estão a apurar a hipótese de que a morte do casal tenha sido homicídios intencionais.
Oleksiy e Raisa Vadatursky morreram em 31 de julho, na sequência de um ataque a Mykolaiv, no sul da Ucrânia, que o chefe de Estado ucraniano, Volodymyr Zelensky, considerou "os mais brutais" desde o início da invasão russa, com mais de 40 mísseis lançados contra vários alvos da cidade.
Vários destes mísseis atingiram o quarto da grande casa do magnata, enquanto, segundo o assessor presidencial, Mijaílo Podolyak, nenhuma outra habitação da área foi atingido.
Já a presidente do conselho regional de Mykolaiv, Hanna Zamaziieva, referiu em entrevista ao canal 24 TV que a morte do empresário pode estar ligada à crise alimentar que a Rússia está tentando fomentar em escala global.
Vadatursky planeava visitar a Turquia nos próximos dias, um país que se tornou chave na tentativa de retomar a exportação de milhões de toneladas de cereais bloqueados nos portos ucranianos desde o início do conflito, acrescentou a mesma fonte.
O empresário, cuja empresa possui 81 navios, esteve ativamente envolvido nos esforços para aumentar as exportações de cereais através de rotas alternativas e a sua frota está envolvida no transporte de cereais pelos portos do Danúbio.
Oleksiy Vadatursky, de 74 anos, era o dono da Nibulon, uma das maiores 'holdings' agrícolas da Ucrânia, responsável pela exportação de 5,64 milhões de toneladas de cereais para 38 países em 2021.
Vadatursky era considerado em 2021 o 24.º mais rico da Ucrânia, com a sua fortuna avaliada em 430 milhões de dólares, segundo a edição ucraniana da Forbes.
No entanto, ao contrário de muitos outros magnatas do país, evitou envolver-se na política e ganhou a reputação de um empresário incorruptível que enfatizava a transparência da sua corporação e colaborava com empresas e instituições internacionais de renome, como o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD).
Desde o início da invasão russa da Ucrânia, o empresário permaneceu em Mykolaiv para continuar a administrar a sua empresa, algumas destas danificadas pela guerra, ajudando ainda a financiar as unidades locais de defesa territorial do Exército ucraniano.
Para o ex-vice-procurador-geral da Ucrânia, David Sakvarelidze, as forças russas mataram Vadatursky para intimidar todos os empresários que apoiam os esforços para repelir a invasão, segundo explicou na sua conta na rede social Facebook.
Já outro empresário, Dimitry Vasylev, especulou que a morte pode ter como intenção impedir a Nibulon de acusar as forças russas na cidade ocupada de Kherson pelo roubo de cereais.
Segundo Kiev, a Rússia quer exportar os alimentos através dos portos da península da Crimeia, anexada por Moscovo em 2014.
Do lado russo, a editora-chefe da televisão russa RT, Margarita Simonyan, associou a morte de Oleksiy Vadatursky a ordens do Presidente Zelensky ou do seu círculo próximo.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de quase 17 milhões de pessoas de suas casas -- mais de seis milhões de deslocados internos e mais de dez milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Também segundo as Nações Unidas, cerca de 16 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia.
A invasão russa -- justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que está a responder com o envio de armamento para a Ucrânia e a imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos os setores, da banca à energia e ao desporto.
A ONU confirmou que 5.327 civis morreram e 7.257 ficaram feridos na guerra, que hoje entrou no seu 160.º dia, sublinhando que os números reais deverão ser muito superiores e só serão conhecidos quando houver acesso a zonas cercadas ou sob intensos combates.