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Temam a Temido

Começo este texto com a seguinte questão. Já imaginou o quão bom é, depois de uma valente temporada de trabalho, com várias horas de cansaço acumulado, gozar umas férias?

Agora imagine que trabalha num hospital público deste Portugal, veste uma bata branca, usa estetoscópio, e faz turnos de vinte e quatro horas nas urgência, algumas vezes (muitas, na verdade), duas vezes por semana, a troco de pouco mais de uns míseros dez euros à hora, brutos (isto se for especialista…), e lhe negassem as férias que tanto merece. Como se sentiria?

Eu diria que isto é roçar, de forma bastante violenta, a escravatura… e poderia ter mesmo acontecido esta semana, a pedido da nossa ministra da saúde, Dra Marta Temido (que, ironicamente, se encontra a gozar as suas férias).

Para os mais distraídos, a nossa temida ministra contactou os diretores clínicos de obstetrícia deste país, a pedir que cancelassem os dias de férias dos profissionais de saúde, devido ao caos que se vive nas urgências dos hospitais públicos, por falta de pessoal.

Então, e porque faltam profissionais de saúde nos hospitais públicos?

A resposta é simples… poucas vagas para recém formados e falta de condições para os que lá trabalham.

Para ter uma ideia, este ano abriram 1938 vagas para especialidade médica, das quais, apenas 48 foram para ginecologia/obstetrícia.

Concorreram 2462 médicos. Ficaram de fora, pelo menos, 524 médicos acabados de sair das universidades. O número de vagas para este próximo ano deverá ser, mais ou menos, o mesmo…já o número de médicos sem especialidade, esse aumentará.

Parece não ser do interesse, quer do ministério da saúde, quer da própria ordem dos médicos, aumentar as vagas existentes… o que significa que o país, que carece de profissionais de saúde, está a formar mais que aquilo que consegue depois escoar. Irónico, não acha?

Quanto às condições, também é fácil de explicar… Imagine assinar um contrato onde terá que realizar 40 horas semanais mas, na realidade, faz 50 ou 60 horas que, na vasta maioria das vezes, não lhe serão pagas. Agora imagine que vem outro empregador, que lhe oferece o dobro ou o triplo do que aufere, pelas mesmas 40 horas semanais, e que paga as horas extra que realizar. Manter-se-ia a trabalhar para o seu empregador atual, ou aceitaria a nova proposta? Pois bem, é o que acontece com o setor público e privado da saúde.

Acredite que são poucos os profissionais de saúde que abandonam, de ânimo leve, o serviço nacional de saúde… contudo, perante as condições que ele apresenta, é quase inevitável que tal aconteça. E a culpa é de quem? Garanto que não é dos seus resilientes profissionais.

A saúde em Portugal está doente, e a “temida” responsável por ela só disparata, enquanto que o primeiro-ministro assobia para o lado. Neste momento, Temido aplica a filosofia de “se a culpa é minha, eu ponho em quem eu quero”.

Marta Temido pretende que um profissional de saúde faça o trabalho de dois ou três, em vez de criar as condições para ter esses dois ou três a trabalhar, o que demonstra que ocupa um cargo que não deveria ser o seu.