Colódio húmido / Albumina: uma dupla de sucesso (até deixar de o ser)
No último texto publicado neste espaço procurei lançar breves pistas para a problematização da condição fotográfica, questionando a sua unidade a partir da constatação da existência, desde a origem da imagem mecânica, de uma pluralidade de técnicas que foram sendo aglutinadas no termo genérico “fotografia”. Falei então sobre a albumina e a sua dupla função, a partir de 1849, enquanto agente aglutinador dos sais de prata no negativo em vidro e, a nível da impressão de um “positivo”, na superfície do papel, onde se obtinha agora um maior detalhe do que aquele conseguido nas tiragens em papel salgado. Em suma, a clara de ovo funcionava como bom meio de ligação dos sais de prata à superfície do vidro e do papel.
Ora, se os negativos em vidro de albumina tinham como vantagem a possibilidade de uma preparação antecipada das chapas para exposição à luz (latência de quinze dias), permitindo ainda uma espera de dez a quinze dias antes da revelação sem que o processo ficasse comprometido, tinham igualmente uma desvantagem significativa. Não sendo especialmente “foto sensível”, ou seja, facilmente impressionado pela luz, com o uso da albumina os tempos de exposição a esta eram, portanto, consideráveis, (de cinco a quinze minutos), não fazendo desta uma técnica muito favorável para produção de retratos.
Já o colódio, não seco mas húmido, revelou-se a partir da sua apresentação em 1851 por Frederich Scott Archer muito vantajoso enquanto agente ligante que permitiu tempos de duração da captação da imagem bem mais curtos, de cinco a vinte segundos. No entanto, sendo necessário o colódio manter-se húmido durante todo o processo de sensibilização, de exposição, revelação e fixação do negativo em vidro – uma vez que o colódio seco era mais impermeável, não permitindo que os agentes de revelação funcionassem tão bem –, a sua prática fora do estúdio era um processo complexo para o fotógrafo. Vicente Gomes da Silva (1827-1906), fundador da Photographia Vicente, dominou ambas as técnicas do retrato feito no interior e do registo de imagens no exterior utilizando negativos em colódio. Para esta última finalidade, tinha que recorrer a um estúdio portátil que requeria grande aparato (uma tenda que servisse de câmara escura, máquina de grande formato, chapas, tripés, materiais de revelação, etc.) e onde, forçosamente, se dedicava a todo o processo de preparação das chapas, revelação e fixação dos negativos.
Nas imagens de exterior de sua autoria aqui reproduzidas de meados ou finais do século XIX, da Ribeira de Santa Luzia e das ruínas do Convento de São Francisco, digitalizadas em positivo a partir dos próprios negativos, somos confrontados com a sua materialidade, ou seja, com a ação que o tempo e o manuseamento têm num suporte particularmente frágil como o vidro. Somos confrontados, através de um certo efeito de mise-en-abîme, com essa evidência de uma dupla materialidade, a das coisas registadas e do próprio processo de registo, a fotografia, ou melhor, a do negativo em vidro (onde se utilizou o colódio húmido). A fotografia de ruínas; a fotografia, a verdadeira ruína do século XX, como em tempos afirmava Margarida Medeiros, professora e investigadora em Estudos de Fotografia e Cinema.
Em termos de um uso genérico, comercial, “vernacular” se quisermos, a dupla negativo com colódio húmido / prova em papel de albumina foi no fundo imbatível, digamos que de 1855 a 1880, conhecendo grande uso na prática do retrato oitocentista em estúdio, nas chamadas cartes-de-visite e nos cartões estereoscópicos que, devidamente visionados, proporcionavam um efeito de relevo, vulgo efeito tridimensional.
Foi essencialmente imbatível até deixar de o ser, até que uma outra nova técnica se tornou hegemónica. Mas isso é matéria para um outro texto, talvez o próximo.
Com a colaboração do Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s.