Oligarquias e o Sr. Alfredo
1. Disco: Por vezes somos atingidos por um raio. Uma troca de olhos, uma paisagem, algo que lemos ou ouvimos. Anish Kumar e o seu trabalho de estreia, “Postcards” teve esse condão. Um disco para dançar. Muito. Que chega no momento certo da minha vida, para dele poder gostar muito. Registem o nome.
2. Livro: A minha mãe sempre foi uma enorme consumidora de jornais. No início dos anos 80, lá em casa, não faltava “O Jornal”, todos os fins-de-semana. Um dos cronistas chamava-se Miguel Esteves Cardoso. Acompanhei-o também no que escrevia na Música & Som, para onde cheguei a escrever, e depois no Sete. Para quem vivia na Madeira, e adorava música, era a única maneira de ter um pouco de “mundo” ao alcance da mão. O MEC escrevia sobre coisas, que muitas das vezes, ainda não tinham chegado a este cantinho do mundo. Era-me permitido comprar um LP por mês. E lá ia com a lista na mão, à cave da AEG, na esquina do Apolo, perguntar ao Miguel se isto ou aquilo já chegara.
Aí por meados dos anos 90, na Feira da Ladra em Lisboa, tropecei numa primeira edição de “Escrítica Pop”, que reunia os textos sobre música, escritos pelo MEC na imprensa. Não estava em muito bom estado e não foi barato. Mas depois de regatear um pouco, consegui um preço aceitável.
Li-o, num instante, revivendo tempos que não se repetem.
Uns anos depois, alguém me pediu emprestado. Melhor: emprestadado. Nunca mais lhe pus a vista em cima.
Nos anos 90 saiu uma edição da Assírio & Alvim, que me passou ao lado, e agora a Bertrand, em boa hora, juntou-lhe “O Ovo e o Novo”, e oferece-nos um dois em um.
Para ler devagarinho embarcando numa viagem fabulosa, com o livro numa mão e o Spotify na outra, para (re)ouvir o que vou lendo.
PS: oh! camarada que me ficaste com o livro, eu sei quem tu és.
3. O termo oligarquia deriva do grego Ὀλιγαρχία (Oligarkhía = “óligon”, poucos e “arkho”, governo) e é uma forma de governo onde o poder político está nas mãos de uns poucos.
O termo foi usado por Aristóteles, para se referir ao poder despótico, exercido por um grupo pequeno e privilegiado, que procura fins muitas vezes corruptos ou egoístas. Na maioria das oligarquias clássicas, as elites governantes eram recrutadas exclusivamente de uma casta dominante hereditária, cujos membros tendiam a exercer o poder seguindo os interesses dos seus.
Os que pensam que isto são conceitos do passado, desenganem-se. Estão por todo o lado, tanto no universo da política como nas empresas e corporações. As oligarquias, e os oligarcas, estão bem no meio de nós. Exercem o poder, influenciam-no, determinam o que e como fazer, segundo os seus interesses. Colocam as suas peças no tabuleiro e mexem-nas sem regras, nem concessões. Como bons jogadores que são, levam-nos sempre umas quantas jogadas de avanço.
Apesar de possuirmos um governo democrático, sustentado no parlamentarismo, é importante entender com funciona, qual o seu modelo de gestão — e conseguir reconhecer aquilo que pode não ser óbvio e evidente, mas que está lá.
Quer gostemos ou não, um dos maiores problemas da nossa democracia, e por arrasto da Autonomia, é a existência de oligarquia. Não nos deixemos enganar pelo facto de termos um governo estruturado segundo um sistema democrático, quando, na verdade é inegável o facto de ser influenciado por pessoas, famílias e empresas, poderosas e persuasivas, que cobram uma boa quantidade de autoridade na defesa dos seus interesses. São um enorme atentado à vida democrática e representam uma ameaça às práticas de mercado livre, pois conseguem alterar e eliminar regulamentações comerciais e económicas que os não beneficiem. Conseguem mesmo conspirar, para fixar preços e violar outros padrões económicos favoráveis a todos. As oligarquias, ou se quiserem os “Donos Disto Tudo”, permitem o aumento da desigualdade de oportunidades, condicionando-as aos seus, o que os ajuda a crescer em poder e riqueza. É óbvia a manipulação dos mercados a seu favor, deixando de cumprir as regras da oferta e da procura. Veja-se o que acontece com a construção de habitação a custos, ditos, “controlados”.
E não deixemos a corrupção de fora da equação. Todos dela temos percepção. Do “jeitinho” à lei feita à medida, do concurso manhoso ao monopólio disfarçado.
A falta de cultura política e o sistema apoiado em dependências, proporcionam e perpetuam a existência de um modelo que nos prejudica. Quem pensa que não temos um sistema fiscal próprio, de fiscalidade reduzida, porque incompetentes, isso é só uma parte da razão. Não o temos porque isso seria abrir o mercado, o que possibilitaria a entrada de outras empresas, que beneficiariam os madeirenses, pois, concorrendo entre si, ofereceriam a todos condições mais vantajosas de preço, qualidade e/ou serviço. E isto é só mais um exemplo.
O alheamento da vida política, por parte dos eleitores, é também proporcionador da manutenção da situação. As pessoas sentem, que os partidos da equação fazem parte de um sistema podre cheio de defeitos e muito poucas virtudes. Que esses partidos estão reféns de interesses pessoais e de grupo. Que não representam o que deviam representar.
O que temos é um perpetuar de péssimas políticas, de fraco desenvolvimento, de falta de criação de riqueza individual. Aos DDT o que interessa, é manter aqueles que lhes são semelhantes e coniventes no poder, criando, assim, uma comunidade corporativa ou governamental doentia. Estamos doentes e a maioria não dá conta disso.
Não é que não gostemos da democracia, das eleições, da liberdade de expressão, da livre associação e do exercício da cidadania. Criamos um paradoxo onde o nosso destino está condicionado pela formulação de políticas dominadas por poderosas organizações empresariais e um pequeno número de políticos, pouco dados ao interesse comum, verdadeiros “factótum” de ambições alheias. Repito, somos uma sociedade democrática seriamente ameaçada. O nosso maior problema tem a ver com o empenho. Queixamo-nos muito e pouco ou nada fazemos para mudar as coisas, quando temos nas mãos as ferramentas para o fazer.
E é vê-los, aos nossos Donos Disto Tudo, a enriquecer sem justa causa.
Não vê quem não quer.
4. A partir deste mês o executivo da Câmara Municipal do Funchal passa a ser da exclusiva responsabilidade do PSD. Não é que o não fosse até agora. Arrastava-se por lá um apêndice ligado ao CDS-PP. Caiu Margarida Pocinho e subiu Filipe Spínola. O dono do executivo não gostou e mandou-o à procedência, com aviso de recepção e atestado de inutilidade. Vem então Isabel Costa, secretária do Secretário das Pescas, que, entretanto, já tratara da sua vida subindo à Direcção de Serviços do Mar. Interrompeu o estágio e lá foi para a Câmara. Fartou-se, ou fartaram-na, e a partir do dia 3 retoma as suas funções na Secretaria. O CDS ainda tinha quem colocar na vereação. Mas para quê, se aquilo agora é tudo a mesma coisa. Segundo o líder da esquerdinha light, “compagnon de route” da laranja socialista, “tudo em nome da estabilidade e unidade, para não perturbar a coligação”.
Ainda tenho a esperança de, antes das regionais, ver Rui Barreto a fazer o pino com um barrete de orelhas, Lopes da Fonseca com uma xuxa na boca e o resto da fanfarra, que sobra, a bater palmas ao (des)ritmo marcado por Gonçalo Pimenta. Miguel Albuquerque e Pedro Calado ficarão orgulhosos.
Quem tem razão é o Sr. Alfredo... Toda a razão.
5. “A civilização não perdurará, a liberdade não sobreviverá, a paz não será mantida, a não ser que uma grande maioria da humanidade se una para defendê-las e se mostre detentora de um poder diante do qual as forças bárbaras e atávicas ficarão aterrorizadas” – Winston Churchill