O valor da vida e o significado da morte
Esta semana assistimos às brutais imagens da morte do ex-primeiro ministro do Japão Shinzo Abe, num país onde o acesso a armas é extremamente difícil e exige um complexo processo burocrático. Pela informação veiculada nos meios de comunicação o artefacto usado era artesanal o que não impediu o sucesso da operação. O assassino ex militar confessou que matou Abe por se sentir frustrado com algumas decisões tomadas no decurso das suas funções. O eterno dilema da morte e da vida, o valor que lhe damos e o significado da maior das inevitabilidades continua a ser desde os primórdios da Humanidade, uma das discussões que mais nos aterroriza e ao mesmo tempo nos fascina. De onde vimos e para onde vamos? O que nos leva a tomar certo tipo de atitudes como o assassinato ou o suicídio? De que forma diferentes culturas, religiões e credos celebram ou sentem o final da vida? A única coisa que temos como certa é que a mesma, tal como a conhecemos, tem um fim, mais cedo ou mais tarde, seja sob que circunstâncias forem e na verdade por muitos estudos que possam ser feitos sobre a matéria e com várias histórias de pessoas que dizem ter estado entre a vida e a morte, não sabemos absolutamente nada sobre o que nos acontece depois, o que nos reserva quando o coração deixa de bater.
Já vivi no Brasil e em Moçambique e tenho passado por diversos países em África e percebo que o valor que damos à vida difere na geografia e conforme os valores que nos são incutidos. Talvez a pobreza, a solidão ou a falta de instrução sobre o tema tenham relação direta mas não explicam tudo. A cultura onde estamos inseridos e a nossa forma de estar ou de viver impelem-nos a pensar de determinada forma sobretudo quando as crenças religiosas são mais vincadas. Enquanto no mundo ocidental a morte é muitas vezes carregada de simbologia negativa e fonte inesgotável de receios, angústias e ansiedades, muitas vezes razão justificativa de depressões e outros problemas mentais em outras latitudes encontramos estados de alma diametralmente opostos, sendo motivo primeiro para a celebração da vida, para festejos que se arrastam no tempo e festa obrigatória. Não quer dizer com isso que a falta ou a saudade tão característica da dialéctica portuguesa não estejam também presentes, simplesmente é encarado de outra forma pela crença que se tem no que vem a seguir.
Já Platão, filósofo e matemático da Grécia Antiga versava sobre o maior enigma de todos os tempos. Acreditava o mesmo que no fim da vida as nossas atitudes seriam alvo de um julgamento que determinaria o animal em que iríamos reencarnar a seguir. Outras civilizações crêem que a reencarnação é o passo natural num ciclo que não se esgota apenas purifica e regenera. Em África, por exemplo, a pedagogia da morte está intrinsecamente relacionada com uma maior ligação à natureza, de onde fomos criados e para onde voltamos, sendo considerado apenas como o encerramento de um ciclo, comum a todas as outras coisas e seres. Na verdade países onde a esperança média de vida é mais curta e onde as condições de higiene são mais precárias tendem a desenvolver sociedades onde a morte é encarada de uma forma mais ligeira, presente e natural enquanto para nós o falecimento de uma criança ou de um jovem é visto como algo contra natura e por isso habitualmente muito mais penoso. O México por exemplo é um país muito peculiar no que toca à celebração da morte e o seu dia dos Mortos, tão conhecido um pouco por toda a parte, é a mais natural e alegre celebração da vida e a continuação de um ciclo infinito.
No Japão, país onde foi registado por diversas câmaras o referido assassinato, vai-se perdendo parte da cultura e dos rituais ligados à morte, sendo hoje considerado como um momento quase profissionalizado e sem grande significado, muito por culpa do excessivo egocentrismo dos nossos tempos e da falta de ligação entre as pessoas. Nós por cá continuamos a ver a vida como algo superlativo que não deve ser posto em causa por qualquer razão ou motivo, sendo um dos valores inalienáveis da nossa constituição. No entanto muitas vezes pela referida angústia torna-se um tema tabu, pouco discutido em casa ou na escola. Tentamos ao máximo fingir que esse momento não vai chegar, agarramo-nos à fé de que algo de bom virá depois e borramo-nos de medo de cada vez que pensamos um pouco sobre o assunto. Somos cada vez mais apegados ao materialismo, à superficialidade e ao inócuo e pouco ligados à energia que nos rodeia, à natureza que nos transforma e da qual fazemos parte e cada vez menos respeitadores dos mais velhos. Vai-se perdendo o significado da vida e os propósitos que nos deviam guiar. Acredito que numa sociedade em permanente transformação um tempo virá em que consigamos ver estes temas de forma mais profunda.