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Beja fica do outro lado do mundo

Quando os A380 operados pela Hi-fly aterram em Beja, eu poderia dizer que este mês fico por aqui. Mas não me apetece, porque continuo a sonhar que nasci num país rico.

Há uns dias estive no continente. Aterrei em Lisboa para uma estada curta e rumei num Alfapendular apinhado de gente até ao Porto no dia seguinte. Turistas com malas era a dar com um pau, louros, morenos, escandinavos, espanhóis, franceses. Alguns emigrantes em regresso de férias, uma versão da “Gaiola Dourada” na CP, que até tornou a viagem divertida. Pouco menos de três horas para uma viagem entre as principais cidades do país, mas não vi ninguém a chorar pelos cantos por estar dentro de uma carruagem de sul para norte. Vi também portugueses, sim. E fiquei surpreendida, porque não sabia que as pessoas nascidas em Portugal sabiam andar de comboio em longas distâncias. Foi então que percebi que os sucessivos governos nacionais, de qualquer cor política, têm medo de carruagens e de linhas férreas, ou o Aeroporto de Beja, com uma pista principal de 3,4 Kms e outra secundária de 2951 metros já estaria a servir de pista alternativa à tão sobrelotada Lisboa. Não se entende o medo de enfiar uns carris mais robustos a caminho do Baixo Alentejo para ligar aquela cidade à capital, onde parece que tudo tem de continuar a acontecer. Combater a desertificação do interior também é isto, a não ser que continue a interessar manter o interior e os donos dos montes alentejanos em paz e sossego e as reservas de caça imaculadas para os ricos irem dar uns tirinhos.

Já tive de conduzir duas horas até Londres depois de ter aterrado em Standsted, vendido como um dos aeroportos da capital britânica e a recém-chegada Ryanair vai levar-nos ao Aeroporto de Beauvais. Só que dali a Paris são quase duas horas de comboio. O piloto não nos vai deixar na Avenida dos Campos Elíseos e muito menos ao lado da Torre Eiffel. E estamos dispostos a pagar para andar uma hora de comboio para Bruxelas depois de aterrarmos em Charleroi.

Tenhamos vergonha. Resolvam lá o problema do terminal e da placa que só têm capacidade para receber menos de uma dezena de aviões em simultâneo. E estão esgotados por uma empresa privada. Daqui a cinco anos estaríamos em condições de receber quarenta ou cinquenta aviões de cada vez e aí, sim, voltaríamos a conversar como gente crescida, como um país civilizado e que pouparia milhões aos contribuintes.

Quanto às reservas de caça, podiam ser mudadas para Alcochete, que já é, afinal, um campo de tiro e javalis e ovelhas não faltam a passear pela propriedade. Vivemos do turismo e continuaremos a viver, enquanto não estivermos estrangulados em estudos de aeroportos que nunca vão existir. E comboios que nunca vão andar.