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Arquitectura social

Nos nossos dias, é considerada “arquitectura social” aquela que inclui no seu programa situações de pobreza

Num texto de crítica de arquitectura não tem cabimento o discurso de louvor à dita “arquitectura social”. A verdade, porém, é que muitos atribuíram aos arquitectos um papel importante na criação “do homem novo”, bandeira das ideologias de inspiração marxista do século XX hasteada com ingénua devoção pelo Movimento Moderno. Nos nossos dias, é considerada “arquitectura social” aquela que inclui no seu programa situações de pobreza, exclusão, catástrofe ou conflito. Os políticos mais afáveis e mais falhos de ideias chamam-lhe arquitectura “para as pessoas”, uma vez que “povo” já ninguém quer ser e as obras para animais – como a Aldeia dos Macacos projectada por Raul Lino para os infelizes monos do Jardim Zoológico de Lisboa – caíram em desgraça.

A atribuição do Pritzker – o mais prestigiado prémio de arquitectura – a Alejandro Aravena (2017) e a Francis Kéré (2020), dois arquitectos com programas sociais no seu portfólio, veio trazer de novo a lume a estafada demagogia do carácter salvífico da arquitectura ao serviço dos necessitados. A verdade, porém, é que a qualidade da arquitectura nada tem a ver com o seu programa: um bairro social tanto pode ser uma aberração arquitectónica chocante, como o palácio de um oligarca russo pode ser uma obra-prima de arquitectura. Eis uma evidência que me dispenso de explicar, deixando aqui apenas um breve apontamento: misturar ética com estética foi opção que nunca deu bons resultados, a Estética questiona o conceito de belo e o papel que ele representa nas nossas vidas; à Ética compete questionar o certo e o errado para nos ajudar a tomar as melhores decisões.

Nada impede, porém, o crítico com “preocupações sociais” de invocar o caracter social de um “centro cultural”, de abrigos para refugiados, ou de uma escola no Burkina Faso, como importantes “mais valias” que demonstram a devoção do arquitecto às causas sociais.

O que ele não sabe – ou finge que não sabe – é que a única devoção do arquitecto sempre foi, e sempre será, a Arquitectura, cujo âmbito é do domínio da Estética. E nada mais.