Antero Simas (1952-2022)
Não conheço limites que, por acaso, possam embargar a construção do poema, compositor maduro e desassombrado que foi. A estética, foi o seu escudo contra as misérias e em prol da dignidade. Cidadão de estatura foi Antero Simas Correia e Silva.
O que impressionou em Antero Simas, para além do privilégio de irmão mais novo e, por isso, dele aprendiz, o que me parecia na sua pessoa ali exuberante era a sua arte musical e como nela desafiava no Outro diversos estágios de percepção: o do apego a um Cabo Verde real, mas a ser utópico, o do compromisso social e político recortado pela ideia de um mundo melhor e o da pós-modernidade estética em cada ato criativo, pois para ele a vida só faria sentido, se tomando a referência da ancestralidade e da tradição, fosse no afã de inovar, de reprocessar e de reciclar.
Deste modo, era eclético no seu cultivo dos géneros musicais, amando, com militância, todas as expressões da música cabo-verdiana – do Batuku à Morna, passando pelo Funaná, pela Mazurka, pela Ladaínha, pela Tabanka, pelo Lundú, pela Coladeira, pelo Finason, pelo Colá e pela Talaia Baxu, entre as inumeráveis e diversas expressões da nossa magistral Crioulidade.
Entrementes, ia mais longe, para além da linha dos nossos horizontes: cultivava o Jazz e o Blues, o Fado e o Tango, o Samba, o Mambo e o R&B. Gostava da música, exaltando a sua universalidade, quer fosse uma sinfonia de Ludwig van Beethoven, quer fosse um recital coral do Ladysmith Black Mambazo ou um naipe sitarista de Ravi Shankar.
Guardava para si, partilhando com todos, um enunciado mais que fecundo de que a Arte, isto aprendido com o nosso pai Anastácio Filinto e reaprendido com Luís Randell, a Arte no seu todo, punha em diálogo a plasticidade, a poeticidade e a versatilidade, geradora de uma louca lucidez. Habitava-o uma rara sabedoria, com variáveis de espaço e de tempo, de luz e de sombra, de vida e de morte, paralelas que se abraçariam num infinito sonhado.
Por tudo isso, dito a toque de caixa e ciente de estar a dizer pouco, Antero Simas pontifica a fila dos grandes compositores de Cabo Verde, um panteão que, dos imortais, na minha modesta opinião, tem personalidades como Eugénio Tavares, Rodrigues Peres, B. Léza, Jorge Monteiro, Dona Tututa, Manuel d’Novas, Armando Zeferino Soares, Codé di Dona, Catcháss, Ano Nobo, Bibinha Cabral, Séma Lopi, Guida Mendi, Ana Procópio, Ney Fernandes, Norberto Tavares, Zé Henrique, Cacá Barbosa e Orlando Pantera, entre outros grandes e saudosos compositores que engrandecem Cabo Verde.
A cidade da Praia, que o viu nascer a 7 de Outubro de 1952, e a ilha do Sal, onde viveu grande parte da sua trajetória criativa, devem-lhe gestos de toponímia. Gestos, aliás, de merecida nobreza pública. Aqui a fala é do cidadão, não necessariamente de irmão.