Bispo do Funchal pede aos novos padres para conhecerem e acompanharem os fiéis
Este sábado realizou-se a missa das Ordenações Sacerdotais.
Conforme noticia o DIÁRIO hoje na edição impressa, D. Nuno Brás ordenou dois padres diocesanos e um padre Dehoniano. Os diáconos Alberto Fernandes de 38 anos; José Patrício de 33 anos e o António Jesus de 28 anos.
“Amas-Me? Apascenta as minhas ovelhas” foi a temática geral da homilia proferida pelo bispo do Funchal..
“Amas-Me? Apascenta as minhas ovelhas”. As palavras que o Senhor ressuscitado dirige por três vezes a Pedro, são precisamente aquelas que hoje, nesta Catedral, vos dirige a vós, que dentro de momentos sereis ordenados presbíteros (Alberto, António e Patrício) — e a todos os pastores do seu povo. “Amas-Me?”: que significa isso? D. Nuno Brás, bispo do Funchal
O chefe da Igreja madeirense passa a explicar, usando linguagem bíblica:
Simão (o autor diz “Simão de João”, indicando assim a sua origem familiar, e, portanto, referindo-se às suas qualidades naturais) era por natureza um líder. Foi assim durante o tempo da Galileia, na sua profissão de pescador e em tantas outras situações; foi assim em Jerusalém; e continua a ser desse modo, mesmo depois dos acontecimentos da Paixão. D. Nuno Brás, bispo do Funchal
Diz D. Nuno Brás que "o Bom Pastor conhece as suas ovelhas. Chama-as pelo seu nome. Conhece o que torna única cada ovelha que lhe foi confiada. Não tem delas apenas um conhecimento geral. Por isso também, as ovelhas confiam plenamente no seu pastor. Escutam a sua voz. E seguem-no".
Deixamos aqui o texto da homilia na íntegra:
1. “Amas-Me? Apascenta as minhas ovelhas”. As palavras que o Senhor ressuscitado dirige por três vezes a Pedro, são precisamente aquelas que hoje, nesta Catedral, vos dirige a vós, que dentro de momentos sereis ordenados presbíteros (Alberto, António e Patrício) — e a todos os pastores do seu povo. “Amas-Me?”: que significa isso?
Simão (o autor diz “Simão de João”, indicando assim a sua origem familiar, e, portanto, referindo-se às suas qualidades naturais) era por natureza um líder. Foi assim durante o tempo da Galileia, na sua profissão de pescador e em tantas outras situações; foi assim em Jerusalém; e continua a ser desse modo, mesmo depois dos acontecimentos da Paixão.
É certo que são capacidades naturais integradas, desde o início, na Missão que o Senhor lhe confia: quando André apresentou Pedro a Jesus, o Senhor, perscrutando o homem que tinha pela frente, disse-lhe: “Tu és Simão, filho de João, chamar-te-ás Cefas, que quer dizer Pedra” (Jo 1,42). Simão era naturalmente o primeiro; mas a missão que Jesus lhe confiou foi a de ser “Pedra". Qual a diferença? Que conversão exigirá a Simão essa mudança?
Não raras vezes, a impetuosidade e generosidade de Simão chegavam a querer sobrepor-se a Jesus. Nessas alturas, o Senhor nunca hesitou em corrigir a Simão. Basta recordar o lava-pés (“Se não te lavar os pés, não terás parte comigo”); ou a tentativa de defender Jesus à força da espada, no Monte das Oliveiras (“Mete a espada na bainha; deixarei Eu de beber o cálice que o Pai me deu?”).
A diferença entre “ser o primeiro" e “ser pedra”, encontramo-la particularmente clara na narração do sucedido em Cesareia de Filipe, tal como nos conta S. Mateus. Nesse momento, Jesus tinha questionado os discípulos: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”. Então, Simão Pedro respondeu em nome de todos (dos que ali se encontravam e de todos nós): “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”, escutando de Jesus: “Bem-aventurado, és tu, Simão, filho de João, porque não foram a carne ou o sangue que to revelaram, mas meu Pai que está nos Céus. Também Eu te digo: tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16,16-17).
Mas sabemos como, logo depois, quando Jesus anunciou a sua Paixão em Jerusalém, Pedro não hesitou em corrigir o Senhor: “Isso jamais te acontecerá!” (Mt 16,22). E Jesus também não hesitou em dizer-lhe: “Afasta-te de mim, Satanás! Tu serves-me de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas dos homens” (Mt 16,23).
Agora, depois de ressuscitado, Jesus interroga Pedro sobre o modo como se entende a si mesmo e à sua liberdade. A questão que é colocada traz mesmo consigo alguma ironia: “Amas-me mais do que estes?”. Jesus dá a entender que, de facto, Pedro se achava melhor que os outros. Disso encontramos também eco no evangelho de S. Marcos: “Pelo caminho — diz a certa altura o evangelista — discutiam sobre quem era o maior” (Mc 9,34).
Antes do diálogo que acabámos de escutar, Simão tinha-se atirado à água para ser o primeiro a encontrar Jesus, sem querer esperar pelos outros, apesar de o barco não estar longe da terra. E, logo depois, quando o Senhor pediu para trazerem alguns peixes, de novo Pedro se antecipou, arrastando para terra toda a rede cheia de peixes. É a este Simão que Jesus interroga: afinal, que significa, para ele, amar o Senhor? Como pode Pedro continuar a pensar que é melhor que os demais?
A sinceridade de Simão não está em causa, tal como a sua generosidade e impetuosidade. Mas a resposta dada imediatamente (“Sim, Senhor, tu sabes que sou teu amigo”), mostra como Pedro ainda não tinha sido capaz de ir mais longe. Apenas à terceira interrogação os muros da auto-confiança de Simão se desmoronam: “Pedro entristeceu-se por Ele lhe perguntar pela terceira vez: Tu amas-me?”.
Que tristeza é esta, a de Pedro? De início, seria a tristeza de não se ver levado a sério por Jesus, numa questão que percebia ser central: afinal, Jesus conhecia-o bem; conhecia a sua sinceridade; sabia a sua generosidade; conhecia Pedro desde o início, e tinha-o escolhido! Como então, não aceitava como boa e plena a resposta dada? Porque era necessário insistir uma e outra vez?
Mas, depois, a tristeza de Pedro passou a ser a tristeza do discípulo que toma consciência da sua fraqueza, da sua traição ao Mestre: na noite da Paixão, por três vezes, a carne e o sangue tinham, uma vez mais, levado a melhor. Pedro, auto-confiante e habituado a ser o primeiro, o líder, por três vezes tinha negado o Mestre. Nessa noite, o pecado de Pedro tinha-se assemelhado ao de Judas.
Com uma diferença: Pedro foi capaz de se deixar pôr em causa, permitindo que o Mestre derrubasse os seus muros. Isso mesmo o demonstra com a terceira resposta: “Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que te amo!”. Finalmente, Pedro deixa de querer ser o primeiro: nenhuma condição, nenhum “mas” ou “se”, nem sequer o apelo às suas qualidades naturais: “Tu sabes tudo; sabes que o meu amor é fraco e frágil. Mas só Tu o podes manter vivo, só Tu o podes conduzir”. É o Pedro que deixa a confiança nas suas capacidades naturais para se tornar o Pedro disponível para “ser a pedra”, sobre a qual Jesus (não ele) pode construir a Igreja!
2. Jesus conhece bem o homem que tem pela frente. Por isso, procurou corrigir a auto-suficiência de Pedro: “Alimenta os meus cordeiros”. Como que dizendo: “A ti que, não raras vezes, te achas o primeiro, o maior, confio a tarefa de cuidar, de alimentar os últimos, os mais frágeis”. O mesmo é dizer: “Aquele de entre vós que quiser ser o maior, faça-se o escravo de todos” (Mc 10,44).
Mas que significa “alimentar”, “apascentar as ovelhas”? Que significa ser “Bom Pastor”? São, essencialmente, três as qualidades que Jesus tinha já colocado em evidência ao apresentar-se a si mesmo como Bom Pastor.
O Bom Pastor entra pela porta (10,1-2). Não entra furtivamente como os ladrões e assaltantes. Não usa de subterfúgios, de enganos. Vai ao encontro das ovelhas, abertamente e com tudo o que é. Nem tem vergonha de ser pastor! Alguns versículos depois (v.7-10), Jesus dirá também que Ele próprio é a porta. Quer dizer: para chegar às ovelhas, ao seu coração, é necessário passar por Jesus; e é por Ele — e apenas por meio dele! — que pastor e rebanho podem caminhar em direcção à vida em abundância.
O Bom Pastor conhece as suas ovelhas. Chama-as pelo seu nome. Conhece o que torna única cada ovelha que lhe foi confiada. Não tem delas apenas um conhecimento geral. Por isso também, as ovelhas confiam plenamente no seu pastor. Escutam a sua voz. E seguem-no.
O seu cuidado com cada uma das ovelhas é tal que não hesita em dar a sua vida por elas. O Bom Pastor dá a vida pelas ovelhas; o mercenário “vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o lobo arrebata-as e dispersa-as” (10,11b-12).
Jesus é o Bom Pastor. E, com Ele, surge um modo novo de apascentar: o Bom Pastor é aquele que serve, ao ponto de entregar a sua vida pelo rebanho. Ao ponto de entregar a sua vida por uma única ovelha, deixando, se necessário, as outras 99 ovelhas no redil, para ir procurar a que anda perdida e, depois, se alegrar com ela (Lc 15,4-6)!
3. “Amas-Me? Apascenta as minhas ovelhas!”. A tentação de, como Simão, não ser capaz de esperar pelos outros, ou que o barco chegue à praia; porventura o orgulho de pensar que amamos mais o Senhor que os demais, podem, também a nós, assaltar-nos na nossa vida sacerdotal. E podem facilmente conduzir-nos a um excesso de auto-confiança que nos faz pensar sermos os melhores… Podem mesmo, em última instância, conduzir-nos — como conduziram Pedro — a, numa qualquer noite escura que possa surgir, dizermos de Jesus: “Não conheço esse homem!”.
Mas o Senhor não nos escolheu por sermos os primeiros, nem para sermos os primeiros. Chamou-nos para sermos “a pedra” sobre a qual Ele (e apenas Ele) pode edificar a Igreja, o edifício de uma comunidade — da comunidade que nos é confiada, qualquer que ela seja. Sabendo que essa “pedra angular”, essa realidade fixa e segura é Ele e o seu Amor por nós e por todos: é o Amor do Pai pelo mundo.
Dito de outro modo: o Senhor escolheu-vos e chamou-vos, caros irmãos que ides ser ordenados, para serdes a presença do Bom Pastor. Não procureis nunca o vosso rebanho a não ser por meio de Cristo, caminho verdade e vida. Só Cristo — e Cristo crucificado, que continua a dar a vida pelas suas ovelhas — só Ele nos impede qualquer tentação de domínio e qualquer tentação de construir sem o alicerce que é Jesus Cristo.
Procurai conhecer as ovelhas que vos foram confiadas. Procurai conhecê-las pelos seus nomes, partilhando as suas dificuldades e sofrimentos, corrigindo os seus erros e procurando desenvolver e potenciar as suas qualidades. Fazei-o, não apenas com as vossas qualidades e capacidades, mas com o coração do Pastor, do Bom Pastor!
Entregai a vossa vida, toda a vossa vida, sem nada guardar: o que sabeis e pensais; o que fazeis e as iniciativas que tomais; o vosso coração e todo o vosso ser — entregai-o generosamente para alimentar, apascentar, conduzir as ovelhas que o Senhor vos confiou.
As ovelhas são do Senhor, e apenas Ele é o Bom Pastor. Apascentai-as não com os critérios da carne e do sangue mas construindo sobre Jesus, a verdadeira Pedra angular.