Mil faces da Guerra
A Guerra é uma das realidades mais antigas da História do Homem – tão antiga e permanente que durante muito tempo se confundiu a História da Humanidade com a história das guerras.
Para justificar a guerra, recorre-se com frequência a confundir causa e efeito. Como o ovo e a galinha, debate-se sobre se a guerra era inevitável ou se foi provocada, ou ainda se faz parte integrante do nosso ADN ou se pode ser erradicada, como doença maligna.
Para a ADFA, fruto das suas origens e da já longa participação na Federação Mundial dos Antigos Combatentes (FMAC), a resposta está nas seguintes linhas do Credo, escrito por Ralph Bunche, Prémio Nobel da Paz em 1950: a Humanidade adquiriu o direito à Paz. Sem ele, não pode haver esperança no futuro, E, sem futuro, o Homem está perdido.
Por outro lado, a guerra é dos assuntos mais estudados, o que não impede que tenham sido cometidos, e continuem a ser, erros catastróficos.
O primeiro, naturalmente, é o recurso à guerra para resolução de conflitos. A História (não a descrição das batalhas) ensina-nos que raramente os objetivos anunciados são atingidos e, se o forem, foi por um preço desmedido e com efeitos colaterais que ultrapassam os ganhos. Como a I Guerra Mundial, “a guerra para acabar com as guerras”, ou a guerra do Golfo, “a mãe de todas as guerras”, segundo Saddam Hussein.
O segundo são os erros de avaliação, normalmente eivados de pessimismo suicidário ou de otimismo galopante. As suas vítimas principais são os autocratas, que tendencialmente rejeitam as más notícias, e dão como boas as que correspondem aos seus desejos. Casos típicos são Adolf Hitler ou Vladimir Putin, mas também há governantes de regimes democráticos que caem nos mesmos erros.
O terceiro é não compreender o efeito real de novos armamentos no planeamento e condução as operações militares. Quando os prussianos atacaram os austríacos, em 1866, estavam equipados com espingardas de carregar pela culatra, com percutor, e os adversários com armas de carregar pela boca; se considerarmos que os prussianos podiam carregar as armas deitados e protegidos, e os austríacos tinham de o fazer em pé, é fácil prever o resultado. Ou como quando os franceses foram para a I Guerra Mundial de calças vermelhas, casaco azul e boné de pano, para ataques à baioneta, e os alemães vieram de cinzento-terra, capacete de aço, 50.000 metralhadoras e obuses de campanha; também seria fácil prever o resultado.
Como se queixava um dia o general de Gaulle, já Presidente da República: “os nossos generais estão sempre a pensar na guerra passada”. É certo que há que aprender com a experiência, mas há sobretudo que antecipar os efeitos da evolução tecnológica. Antes da II Guerra Mundial, de Gaulle previu o emprego de unidades blindadas e motorizadas, mas foi o general alemão Heinz Guderian, do outro lado da fronteira, que deu corpo à ideia.
Putin, e seus generais acomodatícios (como Jodl e Keitel para Hitler) foram acometidos pelo já citado otimismo galopante. O plano era simples: sobre as principais cidades, Kiev e Karkiv, duas colunas paralelas, atuando em tenaz, numa clássica guerra de movimento, tipo blitzkrieg. Paralelamente, uma ação pelo sul, a partir da Crimeia, para se juntar com as forças que atuavam no Donbass, já ocupado. A partir daí, para norte (Dnipro) e para oeste (Odessa). Ficava assim ocupado todo o litoral ucraniano e todos os pontos vitais.
Parecia perfeito, mas falhou. Os assessores não previram a feroz resistência dos “irmãos” ucranianos, e não previram a letalidade das modernas armas anticarro e antiaéreas, bem como os desenvolvimentos da artilharia e dos drones. Como resultado, as ofensivas a norte derraparam e acabaram em retirada, passando a frente principal a secundária; e no sul, a guerra de movimento passou a quase a combate de trincheiras, atacando rua por rua, e aldeia por aldeia, com um rasto de destruição quase nunca visto. Dir-se-ia que se voltou à I Guerra Mundial, em que “a Artilharia conquista, e a Infantaria ocupa”.
De modo que a guerra continua, na medida em que ambas as partes vão lançando na batalha o que têm e o que lhes dão. Até quando? Até ao esgotamento? E o esgotamento de quem: dos adversários, dos aliados, dos decisores ou dos contribuintes?
A Humanidade parece não ter ainda adquirido o direito à Paz. E, pior ainda, parece repetir-se a fatalidade de os resultados visados estarem longe dos previstos.
Não está fora de a causa a possibilidade de esta guerra vir a ser considerada inútil (porque ilegítima, bárbara e injusta já é). Que sentimento prevalecerá então?
Quando acabar, ou desde já, nada mais importante que recordar as primeiras linhas do já citado Credo da FMAC: ninguém pode apelar tão eloquentemente pela Paz do que os que combateram na guerra.