Crónicas

Modesto 1.º andar

A verdade é que, pelo que tem sido tornado público, a ação deste Governo tem contribuído para inflacionar o mercado imobiliário

Ao fim de três anos de legislatura e de quase meio século de governação por parte do PSD, a Região Autónoma da Madeira detém a duvidosa distinção da mais alta taxa de risco de pobreza do País. É certo que este é um facto que não preocupa grandemente o executivo regional, que por diversas vezes já manifestou que não se revê nos critérios estatísticos europeus e que, portanto, nem reconhece o problema. Se os números não agradam, ignora-se. Se os números não agradam, nega-se, clama-se por uma suposta cabala e segue-se em frente. A questão é que este comportamento apenas agrava a situação, porque quando se nega um problema é impossível resolvê-lo…

A verdade é que para além da pobreza galopante que atinge uma franja muito significativa da sociedade – cada vez mais pessoas que mesmo empregadas não conseguem fazer face às despesas do dia-a-dia, um dos setores mais preocupantes é o da habitação, que tem deixado muitas famílias com a corda ao pescoço

Ainda há pouco mais de uma semana, o recém-eleito Presidente da Junta de Freguesia de S. Pedro identificou a gentrificação da freguesia como sendo um dos principais problemas que enfrenta, tendo afirmado que já tinha «conversado» quer com o executivo camarário quer com o executivo regional a expor o problema. Logo de seguida, o Presidente da Câmara Municipal do Funchal respondeu ao repto de S. Pedro com o anúncio de uma cooperativa habitacional para jovens. O busílis é que o problema não está só em S. Pedro, nem sequer só no Funchal, e não afeta apenas as famílias jovens. A realidade é que assistimos à gentrificação – não apenas de algumas freguesias – mas de toda uma Região, onde é cada vez mais incomportável comprar ou arrendar uma habitação. Só no IHM, a soma de candidatos inscritos para apoio habitacional era, em 2019, e segundo a Estratégia Regional de Habitação, mais de quase 4300 candidaturas, sendo que quase 85% dessas candidaturas dizem respeito a habitação social (4115 famílias). Relativamente à componente do Plano de Recuperação e Resiliência, o Governo Regional reservou para investimento habitacional 128,4 milhões de euros para aquisição e construção de 1121 habitações, número manifestamente insuficiente perante as necessidades diagnosticadas que serão hoje certamente maiores, porque entretanto aconteceu-nos uma pandemia e acontece uma guerra que tem provocado a subida generalizada dos preços dos bens que consumimos, das taxas de juro e da inflação. Portanto, a situação atual para a grande maioria das pessoas não é a mesma de 2019, agudizou-se. Atualmente, a classe média tem cada vez mais dificuldades em arrendar ou comprar casa com os rendimentos de que dispõe. Por outro lado, o mercado imobiliário parece ignorar estes fatores e rege-se por uma realidade que não é a realidade da maioria das famílias madeirenses – e nesta equação as políticas escolhidas não têm contribuído para a solução do problema, bem pelo contrário.

A verdade é que temos um Presidente do Governo Regional que publicamente assume que o mercado habitacional que verdadeiramente lhe interessa é o mercado de luxo, e não a maior parte da população. O entusiasmo com que acorre aos projetos de empreendimentos de luxo contrasta com a displicência com que desvaloriza os problemas que afetam a maioria das pessoas. Aliás, é bom lembrar que a possibilidade de aliviar a pressão financeira sobre as famílias madeirenses cabe ao Governo Regional, mas que tem sido liminarmente recusada por Miguel Albuquerque que afirmou mesmo, na Assembleia Legislativa Regional, que enquanto for Presidente não baixará o IVA (apesar de o poder fazer) porque não quer perder receita.

Por outro lado, a componente do Plano de Recuperação e Resiliência que o Governo Regional reservou para investimento habitacional – cerca de 138 milhões de euros (a Região receberá cerca de 832,2 milhões de euros dos quais 697,2 milhões são de afetação direta) – espelha, para já, uma manifesta insuficiência relativamente às necessidades diagnosticadas.

A pouca construção a custos controlados anunciada, para já, em Santo António e Câmara de Lobos significa que, em média, cada um destes fogos custará ao erário público quase 200 mil euros – e estamos a falar maioritariamente de tipologias T1 e T2, desadequadas para a maioria das famílias. Ora, não é compreensível que a habitação a custos controlados atinja valores de construção superiores aos que vigoram no mercado. Por outro lado, persiste-se na guetização das pessoas que precisam recorrer a habitação social, com a criação de bairros sem atender às orientações europeias que apelam para uma inserção territorial não segregada.

A verdade é que, pelo que tem sido tornado público, a ação deste Governo tem contribuído para inflacionar o mercado imobiliário, tornando praticamente inacessível às famílias da classe média a aquisição ou, sequer, o arrendamento de um modesto primeiro andar com o fruto do seu trabalho, tornando-as dependentes de um Governo Regional que, em vez de resolver problemas, agrava-os.

Na verdade, a ação deste Governo que, em 2015 se apresentou como uma «novidade» em relação ao que estava para trás, tem renovado os votos de tudo querer controlar – as pessoas, o mercado, as empresas – ao tornar o tecido social da Madeira cada vez mais dependente do Sr. Governo, mesmo que para isso seja preciso asfixiar as famílias ao mesmo tempo que se insulta quem denuncia e se propagandeia a ação governativa como sendo milagrosa em todas as áreas. Não tem sido. Não é. Repete apenas uma fórmula gasta que não responde aos problemas de forma eficaz para as pessoas e apenas procura manter o poder. Mas isto claramente não é suficiente porque estamos mais exigentes e queremos uma Madeira com futuro, queremos uma Madeira Melhor.