Sem Justiça não há Paz
“Os políticos são os melhores comediantes que conheço” - Helena Sacadura Cabral
Ser cristão hoje para o mundo implica uma opção de dianteira, uma intervenção eficaz sócio-política. A Doutrina social da Igreja não pode reduzir-se às páginas das encíclicas nem aos trabalhos da escola e da universidade, mas necessita de pessoas que lhes emprestem um corpo para ser letra viva em salários justos, em distribuições de riqueza, em equilíbrio de dissimetrias, em acção que faça chegar à mesa dos pobres o que não faz falta na dispensa dos mais ricos. Torna-se imperioso que os cristãos com assento parlamentar e com responsabilidades nas autarquias e nas instituições sociais, educativas e culturais saibam meditar a “Gaudium et spes” e tornar o texto actuante e estuante no mundo em que hoje se vive. Nós que comemos três ou mais vezes ao dia e que, ingenuamente, nos convencemos de que todas as pessoas fazem o mesmo, devemos pedir desculpa pela nossa quimérica felicidade, aprendendo a amar e a espalhar a caridade.
Vivemos numa época em que mais do que as palavras ou intenções valem os sinais concretos e visíveis que construímos uns com os outros, pois são eles que vão permitir a construção da esperança. Serão estes sinais de eternidade, presentes nos caminhos da vida e da humanidade, que evitarão as guerras, as incompreensões, as arrogâncias, os ódios e todos os miasmas sociais. Tentar resolver os problemas humanos pelos critérios da força e da riqueza e não pelas normas da razão, do respeito e do amor, é confessar peremptoriamente que ainda não atingimos o êxito final da verdadeira civilização. Só os que amam são corajosos. Vivemos hoje confrontados com tantos que gritam. Gritam por dignidade, direitos, trabalho, justiça e oportunidades. Perante tais gritos não podemos ficar indiferentes. Aquele que tapa o seu ouvido ao clamor do pobre, ele mesmo também clamará e não será ouvido. O grave problema da pobreza, lesivo da identidade e dignidade das pessoas que a sofrem, violadas nos seus direitos, já não se remedeiam com paninhos quentes de uma caridade mal-entendida e pior praticada que nem sequer honra a justiça. A observância da justiça é imprescindível e inestimável para a fantasia da caridade. O mundo está cheio de contradições no seu crescimento económico, cultural e tecnológico. Uma pequena minoria açambarca criminosamente a maior parte dos bens de consumo e desfruta de todas as oportunidades que a sua posição coloca ao seu dispor. De fora ficam na mais esquálida e ominosa miséria centenas de milhões de criaturas humanas, que vivem muito abaixo dos limites da pura subsistência, sem pão, sem cultura, sem assistência médica. Situações destas existem em muitas aldeias e cidades, sobretudo nos bairros de lata, onde reina a promiscuidade, a droga e outros ambientes deletérios. Aqui os cristãos são chamados a exercer o seu ministério de consolação e anúncio da Boa Nova. O cristão, antes de mergulhar no sentimento alheio, determinou já o seu propósito redentor. Banalizámos a dor dos outros, ignorando que, mais tarde ou mais cedo, a dor tocará no batente da nossa porta. Por outro lado, fazer bem aos outros por puro dever, sem qualquer participação do sentimento e do Amor, é totalmente diferente. A acção que nasce de um acto de amor não é idêntica àquela que nasce da auto-imposição de um dever. Tudo aquilo que não é altruísmo está fora da moral. Não merece o nome de moral. Quem utiliza a palavra moral para indicar um resultado diferente comete uma fraude. Pois, como disse Paracelso, “Quem nada conhece nada ama. Quem nada pode fazer nada compreende, nada vale. Mas quem compreende, também ama, observa, vê. Quanto maior o conhecimento inerente numa coisa, tanto maior o amor. Aqueles que imaginam que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo, como as cerejas, é porque nada sabem, acerca das uvas.”. E de nenhum fruto queiras só metade. Com efeito, esta noite enquanto todos nós seremos tentados a refugiar nos nossos paraísos, outro jovem, outra criança famélica e famelguita, gritará do outro lado do mundo ao mesmo até bem perto de nós, que as ajudemos e minoremos o seu sofrimento. A verdadeira revolução? Sim, a favor daqueles que esta noite, se deitarão com fome. O mundo tem fome de pão e de ternura. Trabalhemos. Que fazer? - A revolução - Onde? - Em nós? - Como? - Pela caridade. Deixar de sonhar quer dizer, certamente, que se perdeu o caminho da esperança, do belo, do gratuito, do estimulante. Deixa de sonhar quem se deixa enredar no escarnecimento do imediato e do rentável, em si próprio e do seu aviltante solipsismo. O sonho é condição e é a força centrípeta que ajuda a viver, a ultrapassar a si próprio e a ultrapassar obstáculos, desânimos e cansaços inevitáveis. Sonhar quer dizer que ainda se tem e se luta por um ideal que vale a pena, que a vida e os projectos pessoais estão muito longe do ponto final. A vida não é utopia, mas sem utopia não há vida que se suporte. Sempre que alguém deixa de sonhar o mundo fica mais triste. É mais uma luz que se apaga e, com esta noite da alma, é mais alguém que abdica ou desiste do gosto urgente de acender, com a sua, as muitas luzes que já se apagaram.
Tu, amigo leitor, desaloja do coração o teu ethos individualista, luta, pereniza e enobrece a tua vida e a vida dos teus semelhantes, pois como disse, Sófocles, “Não nasci para odiar, mas sim para amar”. O Homem em socorro do Homem. O Homem ao serviço do Homem.