Umas foram violadas, algumas maltratadas, outras morreram. E depois?
Na Madeira todos se lembram do menino e da mãe que foram mortos pelo pai
Cada vez sinto mais vergonha do nosso país e dos seus políticos em matéria de combate à violência doméstica e abusos sexuais, que não raras vezes levam à morte de mulheres e crianças.
Neste momento, já nem se trata de apelar às pessoas para denunciarem. Vivemos com um sistema totalmente falido, obsoleto. As entidades que têm como missão proteger as vítimas até dos casos já identificados e denunciados, são reiteradamente negligentes.
No caso mais recente, de morte de uma criança, sabemos que a Jéssica já estava referenciada no sistema. O sistema falhou e ela morreu nas mãos de assassinos cobardes, mas também fruto da clara negligência da mãe, se é que se pode chamar-lhe isso. Os vizinhos e outros familiares sabiam e nada fizeram. A menina já estava no sistema, por isso não podemos excluir a enorme irresponsabilidade das entidades que não actuaram. Infelizmente ninguém será responsabilizado e só os assassinos serão punidos.
Valentina, a menina que morreu espancada pelo pai, já estava referenciada no sistema. Mais uma vez a forma ligeira como são tratados os casos fez com que morresse, pois também este caso foi arquivado pelas entidades competentes.
Duas meninas de dois e quatro anos também morreram atiradas ao mar pela mãe, apesar das diversas queixas dos familiares.
Lara, a menina morta pelo pai e encontrada sem vida num carro, também é uma vítima de um sistema totalmente ultrapassado e inoperacional. Foram várias as denúncias, medos, provas, fotografias. Nada foi feito e a tragédia aconteceu.
Na Madeira todos se lembram do menino e da mãe que foram mortos pelo pai, apesar das denúncias de violência doméstica.
Em Portugal quase todas as mulheres que foram mortas pelos seus companheiros, já tinham feito denúncias dos maus tratos a que estavam sujeitas. Ninguém as protegeu.
Só este ano, e ainda vamos a meio, 13 mulheres já foram assassinadas. Não esquecer que em 2020 morreram 27 mulheres e 26 em 2019. O sistema não as protegeu.
Para perceber mais este drama, só este ano de 2022 temos 1841 pessoas que se encontram em situação de acolhimento, ou seja, que tiveram de sair das suas casas e estão em centros, abrigos e outras soluções para fugirem aos agressores. De realçar que 3867 pessoas foram abrangidas pela teleassistência (dados publicados pelos INDICADORES ESTATÍSTICOS relativamente ao primeiro trimestre de 2022).
Em matéria de abusos sexuais de menores, só no primeiro trimestre de 2022 já foram investigados pela polícia judiciária mais de 700 crimes. Não são raras as notícias que, nestes casos, os agressores se não tiverem antecedentes criminais, saem em liberdade e têm penas suspensas. Muitas vezes são pessoas que trabalham com crianças e ao fim de algum tempo podem voltar a fazê-lo.
Todos se indignam. Há discursos até do presidente da República a dizer que é preciso fazer mais. No final tudo fica na mesma. A dura realidade é que ninguém quer saber. A indignação dura uma semana, enquanto se partilha a notícia, mas logo depois vem outro acontecimento qualquer e rapidamente se esquece.
Pois, umas foram violadas outras até morreram e depois? E depois nada. Fica tudo igual até à próxima.
Como eu, muitos nunca deixam de escrever sobre o tema, o que se torna até repetitivo, mas só o fazemos porque as nossas crianças e mulheres continuam a morrer e a serem abusadas. Quando o sistema falha e é negligente, não podemos deixar de lembrar que muito mais deve ser feito.