Crónicas

Um lugar perigoso

Estará o mundo a tornar-se mesmo um lugar “perigoso”, ou seja, precário e progressivamente inabitável, a caminhar alegremente para o colapso anunciado?

Uma atenção exigente à realidade que nos cerca e que parece ameaçar-nos de todos os lados, impede, no mínimo, que se possa embarcar naquela alienação, sorridente e inconsequente, do sujeito — eleitor, ou político — basicamente adepto da vida como paródia, que tudo remete para um eventual “longo prazo”

(aí, estaremos já todos mortos...).

Por isso, penso que nestas matérias — do estado da nação ao estado do mundo — é preferível ser um pessimista relutante (preparar-se para o pior, mas acreditando ainda num futuro possível), a um otimista irritante (estamos no melhor dos mundos possíveis, e simplesmente há que surfar a onda).

Guerra, inflação galopante, graves problemas energéticos, fenómenos climáticos extremos cada vez mais frequentes e “fora de estação”, incêndios e secas de proporções bíblicas, fluxos migratórios “incontroláveis”, perda acentuada da biodiversidade, multiplicação de zoonoses, crescimento da desigualdade, cerceamento de direitos e liberdades em anunciado regime pré-outonal das democracias: reconhece alguns destes sintomas, ou acha que isso são problemas dos outros, talvez lá mais para o futuro? Muitos ainda pensam que estaremos protegidos pela nossa pequena dimensão e irrelevância no quadro das nações, ou pela nossa circunstância geográfica e atlântica. Ilusão grosseira. Como vamos percebendo todos os dias, de forma progressiva e dramática, o local e o global interagem a todos os níveis, gerando um feixe de interdependências que mostram, à evidência, como “anda tudo ligado”, o país e o mundo — na política, na economia, no clima, na sobrevivência...

Infelizmente estamos a perceber, cada vez mais à nossa custa e hipotecando o futuro dos vindouros, que muitos dos avisos recentes não foram levados a sério — e, mesmo hoje, são mais que muitos os “abusadores”...

Estão a passar os 50 anos da publicação do chamado Relatório Meadows (1972), um dos trabalhos mais importantes do século XX sobre os “limites do crescimento”, em que um grupo de cientistas do MIT (Massachussetts Institute of Technology) deixava já então um alerta: o crescimento económico e populacional contínuo esgotaria os recursos da Terra e levaria ao colapso económico global até 2070. Parece que os alertas foram pouco ouvidos. Negacionistas e tecnófilos juntaram-se ao longo de décadas para desdizer os prognósticos e embandeirar em arco com as capacidades da “engenhosidade” humana, que a todos os problemas iria conseguir “dar a volta” ... O resultado está à vista: os desequilíbrios infligidos ao grande Sistema Terra por um modelo hegemónico de produção e consumo, mostram, com gritantes exemplos naturais e horríveis tragédias humanas — um coro de “gritos de angústia da Terra”, no apelo do Papa — que o Planeta pode estar a caminhar para um colapso sistémico global, se não se conseguir redirecionar os rumos da civilização humana. Mas, como dizia, numa entrevista, Dennis Meadows (um dos principais autores daquele estudo), somos cada vez mais “a rã que não salta da panela, cozida em lume muito baixo”, com a “crise catastrófica” a seguir, entretanto, o seu curso inexorável: o fogo e o gelo atualizam a batalha originária — do caos ao cosmos e, agora, do cosmos ao caos?