Cabe à Rússia "honrar a sua palavra" no acordo para exportações de cereais, diz ministro
O ministro dos Negócios Estrangeiros português sublinhou ontem que os ataques russos à região ucraniana de Odessa complicam o acordo assinado com a ONU para a exportação de cereais ucranianos e que cabe a Moscovo "honrar a sua palavra".
"É óbvio que os ataques russos a Odessa não ajudam nada, levantam a questão de sabermos se a Rússia quer honrar a sua palavra, ou se quis apenas ceder à intensa pressão internacional para permitir o escoamento dos cereais da Ucrânia e depois na realidade nada fazer", vincou João Gomes Cravinho.
O governante falava hoje à agência Lusa à margem da visita à Albânia e Macedónia do Norte, países que iniciaram negociações para aderir à União Europeia (UE).
Apesar de sublinhar o "importante avanço diplomático" que representou a assinatura dos acordos em Istambul, na Turquia, o ministro lembrou que agora é necessário "passar da palavra escrita no papel para uma real manifestação de disponibilidade".
Moscovo, assim como Kiev, assinou, na sexta-feira passada, um acordo para desbloquear as exportações de cereais ucranianos, cruciais para a segurança alimentar global, comprometendo-se a não atacar portos e navios, nomeadamente na região de Odessa, no sul da Ucrânia e junto ao Mar Negro.
As autoridades ucranianas acusaram hoje a Rússia de "ataques maciços" no sul da Ucrânia, que atingiram sobretudo uma vila costeira perto de Odessa e o porto de Mykolaiv.
Logo no sábado, um dia depois da assinatura do acordo em Istambul, a Ucrânia denunciou um ataque russo ao porto comercial de Odessa, ponto-chave para a exportação de cereais pelo Mar Negro.
João Gomes Cravinho sublinhou que cabe à Rússia "cumprir a sua palavra".
Sobre se os ataques aos portos ucranianos, apesar do acordo assinado sob a égide da ONU e da Turquia, podem dificultar um futuro acordo de paz, o ministro dos Negócios Estrangeiros referiu que a "palavra da Rússia" sofre "evidentemente de um enorme problema de credibilidade".
"Putin mentiu durante meses antes da invasão e fez a invasão. Depois disso, vemos sistematicamente a Rússia a faltar à palavra. A seguir aos acordos de Istambul, lançaram-se mísseis e a primeira reação [de Moscovo] foi dizer que não tinha nada a ver isso. Posteriormente admitiram que tinha a ver com eles, mas vieram com uma história para a qual não temos nenhuma base para comprovar, dizendo que eram ataques contra bases militares", referiu João Gomes Cravinho.
"Há um problema real de credibilidade que a Rússia tem e isso só se supera cumprindo a palavra", acrescentou.
A Ucrânia e a Rússia assinaram na sexta-feira passada acordos separados com a Turquia e a ONU para desbloquear a exportação de cerca de 25 milhões de toneladas de cereais retidos nos portos do Mar Negro devido à guerra em curso.
Numa cerimónia realizada no Palácio Dolmabahçe foram assinados dois documentos - já que a Ucrânia recusou assinar o mesmo papel que a Rússia - devendo o acordo vigorar durante quatro meses, sendo, no entanto, renovável.
O acordo de Istambul inclui dois documentos: um sobre as exportações de cereais da Ucrânia e outro sobre a exportação de produtos agrícolas e fertilizantes russos.
Depois de dois meses de duras negociações, os documentos visaram criar um centro de controlo em Istambul, dirigido por representantes das partes envolvidas: um ucraniano, um russo, um turco e um representante da ONU, que deverão estabelecer o cronograma de rotação de navios no Mar Negro.
O acordo implica também passar a ser feita uma inspeção dos navios que transportam os cereais, para garantir que não levam armas para a Ucrânia.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já matou mais de 5.100 civis, segundo a ONU, que alerta para a probabilidade de o número real ser muito maior.
A ofensiva militar russa causou a fuga de mais de 16 milhões de pessoas, das quais mais de 5,9 milhões para fora do país, de acordo com os mais recentes dados da ONU.
A organização internacional tem observado o regresso de pessoas ao território ucraniano, mas adverte que estão previstas novas vagas de deslocação devido à insegurança e à falta de abastecimento de gás e água nas áreas afetadas por confrontos.
Também segundo as Nações Unidas, mais de 15,7 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.