O bom, o mau e a esquecida
No campeonato da ficção política em que redundou o debate do Estado da Nação, Catarina Martins levou para casa o primeiro prémio. A líder do Bloco, para desagrado do primeiro-ministro, insinuou que António Costa teria influenciado a atribuição de fundos europeus às empresas de Mário Ferreira. Não ponho as mãos no fogo por Costa, nem me atreveria a pedir que Catarina o fizesse. Mas é curioso como o Bloco passou a olhar para um primeiro-ministro que apenas conseguiu sê-lo por vontade dos bloquistas. Mudam-se as maiorias, mudam-se as verdades.
O bom: Luís Montenegro
Após o conforto do congresso da consagração, Montenegro encara agora a magnitude da tarefa que o aguarda. Tem uma vantagem prévia. Não lhe podem apontar calculismo político. Propôs-se a liderar a oposição a um governo de maioria absoluta que, salvo nova crise intestina, durará até 2026. Se isso não bastasse, Montenegro passará os próximos 4 anos sem confronto parlamentar direto com António Costa e com um grupo de deputados que não escolheu. Talvez por isso, a sua primeira missão era de pacificação interna. Fê-lo com Rio, Rangel, Pinto Luz e Moedas. Acima de tudo, fez as pazes com a governação de Passos Coelho. Não como referência, até porque surgiu de uma circunstância económica excecional, mas sem a renegar como Rio, repetidamente, quis fazer. Essa será, porventura, a maior diferença entre Montenegro e o seu antecessor. Pode também ser o seu grande trunfo. Rio quis ganhar o PS ao centro e, com essa obsessão ideológica estéril, tornou-se indistinto dos socialistas. Montenegro propõe-se a liderar o espaço não-socialista, da direita ao centro, sem cedência aos populismos em troca do poder. O novo posicionamento do PSD permite que o partido se apresente aos eleitores como alternativa à governação socialista e não como eterna bengala de reformas que Costa nunca quis levar adiante. Essa alternativa constrói-se no campo das ideias e das propostas, explicando aos portugueses que é possível um rumo diferente ao empobrecimento estrutural a que o PS tem condenado o país. Mais do que o futuro do PSD, Montenegro tem nas mãos a responsabilidade de provar que Portugal não tem de ser isto.
O mau: Tribunal Constitucional
Das catacumbas do Palácio Ratton, os corajosos e intrépidos juízes do Tribunal Constitucional voltaram a garantir a defesa da preciosa unidade nacional contra os perigosos e insurretos portugueses das ilhas. Pergunta o leitor: que atentado à inestimável integridade do Estado urdiram, em reprovável conluio, madeirenses e açorianos? Um referendo pela independência das ilhas adjacentes? A criação de um exército insular? Em boa verdade, os audazes magistrados constitucionais salvaram Portugal de algo bem pior. Os ilhéus arquitetaram uma lei que lhes permitiria ter uma palavra na gestão, que se manteria no Estado, do mar que rodeia as ilhas onde vivem. Ainda pior, os insulares tiveram como cúmplices deste hediondo crime lesa-pátria a maioria dos deputados da Assembleia da República que aprovaram tão perigosa lei. Se alguma vez houve um símbolo tão representativo da miopia centralista, que não vê para lá da Torre de Belém e que julga que Portugal termina na Ponta de Sagres, ei-lo em todo o seu esplendor nesta decisão do Tribunal Constitucional. É chocante que se queira impedir madeirenses e açorianos de participarem na gestão de um território marítimo que apenas é nacional por ali existirem duas regiões autónomas portuguesas. É indigno que se queira reduzir a nossa participação a um parecer formal, com valor equivalente a papel de parede. Faço minha, a justa conclusão de João Caupers, Presidente do Tribunal Constitucional, perante a lógica subjacente à decisão: “Como não a considerar desconfiada, senão mesmo hostil, à autonomia regional?”.
A esquecida: Marta Freitas
Era uma vez uma deputada socialista madeirense eleita à Assembleia da República. Já no seu segundo mandato, Marta Freitas tem passado despercebida na intervenção parlamentar. A sua circunstância política impôs-lhe essa condição menor no hemiciclo. Se não é tarefa fácil destacar-se entre 230 deputados, ainda mais difícil será quando o pequeníssimo palco parlamentar tem de ser partilhado com socialistas madeirenses de outros pergaminhos. Por isso, Marta Freitas tem ficado reduzida à liturgia parlamentar das perguntas pré-ensaiadas a governantes. Até que chegou o debate do Estado da Nação. A encenação, sob a forma de esclarecimento, era a mesma, mas o interlocutor de Marta Freitas mudaria tudo. A pergunta seria feita a António Costa e a mise-en-scène teria cobertura televisiva nacional. Motivada pela notoriedade do palco oferecido, a deputada socialista lançou-se num rosário de louvores e elogios à governação socialista. Falou dos direitos dos madeirenses, da responsabilidade do Estado na mobilidade e na coesão, da importância das finanças regionais e de como tinham sido decisivos os governos do PS na concretização de todos estes pontos. Marta Freitas estendeu um tapete vermelho a António Costa, que o elevaria a único garante da autonomia regional, um Zarco dos nossos tempos. O primeiro-ministro nem pestanejou. Costa ignorou olimpicamente o esforço da deputada. Nem uma palavra sobre a Madeira. Marta Freitas estendeu o tapete e o primeiro-ministro arrancou-o debaixo dos seus pés. Foi-se o entusiasmo da deputada e ficou a certeza que Costa desistiu do PS Madeira.