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“Onde anda o Marcelinho das selfies?”

A frase que dá título a este texto foi retirada de vários vídeos e declarações que diferentes portugueses deram às cadeias noticiosas nos últimos dias, a propósito da situação dramática que se vive em Portugal continental por ocasião das elevadas temperaturas que se fizeram sentir. Houve frases e pensamentos semelhantes sobre o atual primeiro-ministro, o governo e a classe política no geral que inundaram as redes sociais nesse mesmo período.

Este texto não pretende, de todo, ser um ataque político ao Presidente da República ou a qualquer titular de órgão de soberania. Tão pouco me fará sentido aproveitar a situação climatérica agravada para fazer política tendo como imagem a desgraça alheia. Isso só empobrece o debate político e agrava as assimetrias e diferenças dentro da sociedade. Aquilo que pretendo abordar é algo, ligeiramente, diferente.

A afirmação utilizada foi proferida por um cidadão de Almancil quando, ao final de 45 minutos, molhava os terrenos circundantes à sua terra para prevenir que as chamas devorassem aquilo que demorou toda uma vida a construir. Estava sozinho, sem bombeiros, com uma simples mangueira e acompanhado de alguns vizinhos. A culpa não será, seguramente, dos nossos bombeiros que se entregam diariamente à missão de proteger e salvaguardar as nossas populações. Mas será que há culpa? Se a há, é de quem?

E é, precisamente aqui, que pretendo chegar. Nos últimos anos habituámo-nos em Portugal a dizer que tudo estava bem. Uma espécie de anestesia coletiva, liderada por António Costa, em que nada do que se vivesse era culpa do presente. Era sim de um passado, do qual o próprio não tivera culpa do estado a que as coisas chegaram, pese embora seja o político há mais tempo consecutivo em cargos de poder em Portugal.

Além de uma incapacidade de fazer a economia crescer, aumentando 40% os salários mínimos e não mexendo nos salários médios porque a produtividade não aumentou, os portugueses perderam poder de compra, muito antes da guerra, da inflação e do covid. Mas perderam mais coisas. Perderam o acesso à Saúde, aos transportes e, provavelmente, a um futuro em que a dívida pública não continue a ser o maior dos problemas. Senão vejamos: em Portugal, há menos de um mês, uma mãe perdeu o filho porque não havia resposta de obstetrícia de urgência onde vivia. Em Portugal, quem não se lembra do alfa cujo motor caiu a meio da viagem por falta de manutenção? Passados 5 anos dos incêndios de Pedrogão, alguém com responsabilidades fez alguma coisa sobre alterar as leis florestas, mexer no território e prevenir catástrofes como aqueles que se estão a viver?

Sejamos francos: o título deste texto não é mais do que a ilustração de que a República falha, diariamente, aos portugueses. Sejam em questões urgentes ou estruturais. A República falha no continente e nas Regiões Autónomas porque na hora da verdade não há uma decisão estruturante. Tudo se adia. E adiar viagens, como fizeram esta semana o Presidente da República e o Primeiro-Ministro não conforta, nem resolve os problemas dos portugueses que se viram afetados.

Que resposta têm os titulares dos órgãos de soberania para tudo isto? O silêncio? Depois queixem-se de que os populismos crescem. Governar na abundância é fácil, o problema que se coloca é: que reformas se irão fazer hoje que não se poderiam ter feito nos últimos 7 anos?

PS (D)- Na Madeira foram tomadas medidas para mitigar os riscos de incêndio. Há um meio aéreo durante todo o ano, sendo também o único que não é pago pela República. Quem o assegura é a Autonomia da Madeira. Ainda é preciso dizer mais alguma coisa?