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Boris Johnson - um ‘prime minister’ digno de uma banda desenhada?

Sempre me fez um pouco de confusão, ser possível que uma personalidade como Boris Johnson (BJ), pudesse chegar a líder do partido conservador e primeiro ministro do Reino Unido (RU). É que já todos ouvimos o provérbio, “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Como todos os bons ditados, também este tem alicerces históricos. Diz respeito à segunda mulher de Júlio César, Pompeia Sula, de quem ele se divorciou por suspeitar que ela o traía, mesmo sem que alguma vez tivesse tido provas. Como grande parte dos provérbios, também este é constituído por esta vaga e imprecisa sentença, e por isso mesmo, passível de aplicação a muitos casos. A personalidade de BJ, com o que se conhece publicamente, tem matéria suficiente para protagonizar a figura principal de uma qualquer estória, em vários episódios, de uma banda desenhada. BJ começa por conseguir ser eleito para o Parlamento do Reino Unido no ano de 2001, para três anos depois perder um posto na cúpula conservadora, por mentir sobre um caso extraconjugal. De acordo com o que a comunicação social noticiou, este foi mais um dos vários escândalos pessoais de um político que vai (foi) ocultando publicamente o que pode, pois parece que “criatividade” para alimentar a sua vida pessoal e/ou política será coisa que não lhe falta.

Em 2008, consegue eleger-se como presidente da câmara de Londres, prometendo acabar com o crime na cidade e realizar grandes projetos para melhorar a capital britânica.

Com habilidade para atrair a atenção da comunicação social, e dar respostas rápidas, granjeia um género de estatuto de estrela em ascensão. No entanto, alguns dos seus maiores projetos revelam-se autênticos fracassos, entre gaffes e figuras anedóticas, tendo os mesmos custado aos cofres públicos milhões de libras, mesmo que alguns, nem da fase de projeto tenham saído. Estão neste caso, a proposta para construir um novo aeroporto na foz do Rio Tamisa em uma ilha artificial, a proposta para a construção de uma “ponte jardim” sobre o rio, ou até um plano para alterar os modelos de autocarros públicos da cidade. Um caso de grande repercussão pública, foi, apesar do sucesso nos Jogos Olímpicos de 2012, o do Estádio Olímpico, uma obra que custou uma quantia astronómica para ser construída, mas que precisou de mais dois terços do valor do custo inicial para ser convertida em um estádio de futebol. A revelação sobre os gastos com esta reforma do estádio só foi feita em 2017, pelo seu sucessor na câmara, Sadiq Khan. Em resposta, BJ imputou as culpas ao seu antecessor trabalhista, Ken Livingstone, pelas “escolhas erradas” deste, no projeto inicial. Em julho de 2016, deixa a câmara de Londres, sendo nomeado ministro de Relações Exteriores pela primeira ministra de então, Theresa May, tendo-lhe sido apontados uma série de graves erros diplomáticos. No entretanto, manteve uma coluna regular de opinião no prestigiado jornal britânico The Daily Telegraph, onde, diz-se por aí, inventava algumas das estórias que relatava, para as tornar apetecíveis ao leitor.

Apesar de tudo isto, chega a primeiro ministro, onde, tendo apanhado o período da pandemia COVID19, foi duramente criticado pela sua errática gestão da pandemia. Surge então o caso partygate, onde é acusado de ter violado os regulamentos aprovados no âmbito da pandemia COVID19, ao ter permitido festas com excesso de álcool entre seus colaboradores, durante os períodos de confinamentos no país, ao que ele começa por negar, mas perante provas que comprovavam a acusação, vem depois justificar o ocorrido com a afirmação de que eram “eventos de trabalho”, o que só incendiou mais o caso. O suceder de casos/escândalos são tantos, que além de vários ministros do seu governo se demitirem, é o próprio partido conservador que o apoiava e do qual faz parte, que quer que BJ se afaste do cargo, renunciando ao lugar de primeiro ministro. O que acabou por acontecer já num ambiente político completamente insustentável. Do período em que foi primeiro ministro, ficará na história apenas porque foi quem estava á frente do governo britânico, no desenrolar do processo de saída do RU da União Europeia (EU), sendo também este processo muito atribulado, não só pela dimensão, profundidade e consequências do mesmo, mas também pelo modo algo atabalhoado como foi conduzido, onde a estratégia por parte de BJ foi mais de confronto, do que de colaboração entre o RU e a EU, de modo a salvaguardar os interesses das duas partes. Em face deste folhetim em jeito de “telenovela mexicana”, só me ocorre que personagens deste tipo, conseguem emergir em “ambiente democrático”, apenas porque a democracia está em pré-colapso, não conseguindo produzir a sua principal matéria prima, a cidadania. E sem cidadania, a Democracia é uma quimera.