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A padronização como fator de empobrecimento civilizacional

Sem que a esmagadora maioria dos seres humanos se apercebam, um novo “ser social” foi (vai sendo) criado com a ditadura da padronização, cujo início remonta à revolução industrial, onde a regra foi (é) a criação e produção de grandes quantidades de produtos homogéneos. A padronização começou no próprio processo de fabrico, de forma a diminuir os custos de produção, visando a máxima eficiência e empregando a menor intervenção humana. A inundação do mercado através da massificação, com produtos produzidos em grande escala, associada a estratégias comerciais agressivas em doses maciças, tornou-se geradora de tendências que estão hoje na origem da apetência do ser humano, na adoção da padronização do tipo de beleza, de alimentação, de vestuário, de “cultura”, e até de um certo tipo de abastardamento da linguagem. É o mercado onde reina o deus capital que embala e anestesia o ser humano, numa espécie de mentalidade a preto e branco, onde a falta da curiosidade intelectual se instala, oferecendo a primazia à crítica vazia, em lugar da proposta que emana do pensamento crítico. O modelo de vida existente e doentiamente promovido, é gerador de uma massa de seres humanos que pelas exigências e apetências artificialmente criadas, não lhes permite serem simultaneamente participantes e espectadores, das ações em que estão envolvidos. Esta padronização é tentacular, estendendo-se a vários campos, nomeadamente no modelo e conteúdos do ensino escolar oficial, que embora bem-intencionada num dado momento da aventura humana, é hoje um caminho claramente conducente a uma humanidade desprovida de uma visão de unidade para com a natureza que nos acolhe. A humanidade está mais escolarizada, mas indevidamente instruída, já que a “qualificação” que a escola oferece é mais um adestramento, do que uma chave para a (re)descoberta de horizontes. Padronizar, no caso, é impor a igualdade ao que é genuína e proficuamente diferente. Os impactos da padronização na vida humana, têm um efeito demolidor no processo criativo, característica que diferencia(va) o ser humano dos outros seres, tornando-os hoje, “homovulgaris”. A própria dificuldade em emergirem líderes políticos resulta, também ela, da instalação das “monoideias”, sendo na atualidade de grande dificuldade vislumbrar um potencial líder nas gerações atuais, que exiba ideias próprias e originais. Ao longo da história da humanidade todas as mudanças com relevância na evolução civilizacional, foram produzidas por uma série de causas induzidas por lideranças onde a transgressão das normas (padrões) era o mote. É necessário agir de modo a que no “homovulgaris”, se verifique uma espécie de metamorfose que o transforme em “homocriticus”. É através do espírito crítico e criativo, que a perceção do contexto histórico consegue interpretar os momentos, e reinventar novos processos políticos tendentes a mudanças positivas no rumo da história. Afigura-se urgente, a necessidade de um amplo debate sobre a premência de divergir da padronização vigente, a qual, pela cegueira que espalha, despoja o “homosapiens” da visão que pode e deve evitar o modo de vida predatório em que hoje a humanidade vive, em completo desencontro com a dinâmica metabólica do planeta que nos acolhe e do qual fazemos parte. A dualidade, falsamente criada, entre nós e o planeta a que pertencemos, é um problema de dimensões e consequências danosas incalculáveis e que também ele, resulta da opacidade que a padronização comportamental imprime no ser humano. Sem uma aposta clara e forte na construção do pensamento crítico nas camadas mais jovens, será impossível impedir a escalada destrutiva que continuamos a sujeitar a nossa casa e a de milhões de seres vivos. É certo que o ser humano, por via da experiência, ao chegar ao outono da vida, é, entretanto, possuidor de alguma dose de espírito crítico capaz de o fazer refletir, mas nessa etapa da existência, a vontade e a oportunidade de intervir já não possui o fulgor que emana da primavera da vida. E não sendo a construção social um fenómeno emergente do determinismo, ou seja, a escolha consciente está ainda na posse da humanidade, importa refletir sobre a crescente “desnaturalização” da sociedade na submissão à padronização.