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Intervenção comunitária

Há muito que a relação entre Estado e cidadãos se modifica, ajusta e contrata. Esse contrato social, de Thomas Hobbes, está para lá da sobrevivência e aquém da discriminação. Podemos falar da intervenção parcial daqueles que compreendem as responsabilidades de ambos que são um só: o Estado e o cidadão. Claro que nem sempre, provavelmente nunca, estivemos de acordo sobre as responsabilidades do Estado se as espreitarmos pela janela das políticas macro tradicionais.

Nas palavras e Mayo, “O modelo liberal-comunitário de cidadania enfatiza o voluntariado e a comunidade, com participação mínima na esfera pública, além do voto. Em contraste, o modelo republicano cívico considera não apenas o engajamento ativo na comunidade, mas também no domínio público e na comunidade política, mas também no domínio público e na comunidade política como central para a sociedade e a democracia. O modelo de cidadania crítica encoraja e educa as pessoas a tomarem ações sociais e políticas para desafiar o status quo com vista a alcançar maior justiça social e redistribuição de poder (…) (2013, p. 21)”. Aqui importa-me mais a terceira visão, não só pela natureza da investigação assumida no Centro de Investigação em Educação da Universidade da Madeira, a que pertenço, como pela nossa conceção de intervenção comunitária enquanto ação da sociedade política. Não é por acaso que fizemos aprovar um mestrado em educação e desenvolvimento comunitário que está, politicamente, balizado. A sua fundamentação assenta em cinco eixos prioritários para o desenvolvimento da região: (1) Coesão Social, Territorial e Económica; (2) Proteção Civil; (3) Ambiente e Sustentabilidade; (4) Igualdade e Inclusão; (5) e Saúde e Bem-Estar.

Estes eixos representam a cidadania ativa, isto é, a possibilidade de mudança. E que não se partidarize as minhas palavras. “Direita e esquerda são dois termos antitéticos que há mais de dois séculos costumam ser utilizados para exprimir a oposição das ideologias e dos movimentos em que o universo, eminentemente conflitual, do pensamento e das acções políticas está dividido” (Bobbio, 1994, p.21). Na linha de pensamento deste autor, são dois conceitos “exclusivos” (Bobbio, 1994, p.27), isto é, não podem ser conceitos aplicáveis, em simultâneo, de uma corrente ou movimento de esquerda e de direita e “exaustivos” (Bobbio, 1994, p.27) porque “uma doutrina ou um movimento só podem ser ou de direita ou de esquerda” (Bobbio, 1994, p.27). Mas vamos ser inteligentes e não reduzir esta visão a partidarite aguda.

A importância da intervenção comunitária ideologizada, seja qual for a perspetiva, é porque só assim ela assume um caráter político e só assim conseguimos compreender a importância da política nas nossas vidas. Se esta visão for uma demanda da academia, então ela cumpriu o seu primeiro propósito: intervenção e desenvolvimento dos seus territórios e dos outros. Mas afina, qual é a missão da universidade? Criar especialistas? Generalistas? Não criar? Ensino? Investigação? Ou ambas as coisas? Não será ela, universidade, em si mesma, já intervenção comunitária? A ideia de universidade consiste nos princípios que sustentam o mundo e a vida ainda que, nas palavras de Ortega Y Gasset, “a ciência [seja] o maior portento humano; mas acima dela está a própria vida humana, que a torna possível” (2003, p. 49).