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Solidários… mas pouco!

O populismo está na ordem do dia, na política, no desporto, ou nos reality shows

O fim da II Guerra Mundial trouxe consigo o sentimento de rejeição da guerra, “esse monstro”, como escreveu o Padre António Vieira – embora não tivesse passado pela cabeça do ilustre jesuíta que, uns séculos mais tarde, o número de mortos passaria a ser contado por milhões, e não por milhares.

Não foi o “Fim da História”, como o não foi a queda do Muro de Berlim, meio século depois, conforme previu, erradamente, Francis Fukuyama.

Entre o fim da II Guerra Mundial e a queda do Muro, decorreu a chamada “Guerra Fria”, que foi fria apenas na Europa, mas bem quente noutras paragens. Que o digam os meus conterrâneos e contemporâneos, os da minha geração.

Naquele ambiente de tensão, o Mundo ficou dividido em dois blocos, cada um armado das suas razões, e, pior, dos seus arsenais nucleares, suficientes para destruir o planeta, pelo menos como o entendemos.

Nessa era confronto, a solidariedade era a palavra-chave. A NATO era o escudo, o refúgio, o guarda-chuva, a referência, assente no princípio constante no artigo 5.º do Tratado: o ataque a um dos membros da Aliança era considerado um ataque contra todos – com as naturais consequências, que poderiam ir até ao conflito global.

Assim reconfortados, lá fomos vivendo. Descansados? Nem sempre!

A crise dos mísseis em Cuba, no ano de 1962, pôs o Mundo à beira de um conflito global, e parece que as consultas dos Estados Unidos aos seus aliados pecaram por “magreira e má ventura”, em termos vicentinos. Se, na altura, venceu o bom senso, o mesmo parece não ter sucedido com a “operação militar especial” na Ucrânia.

Ora, nessa época de paz armada, era dogma assente o já referido princípio de solidariedade.

Mas eis senão quando um bem conhecido político francês, salvo erro Gaston Defferre, se saiu com esta tirada: mas quem, em Marselha, quer morrer por Berlim?

Estamos nas antípodas de outra célebre tirada, esta de John Kennedy: Ich bin ein Berliner (eu sou um berlinense), dita, de forma solene, na atual capital da Alemanha, então dividida em duas zonas. Hoje, dir-se-ia Je suis Berlin, ou algo semelhante.

O populismo está na ordem do dia, na política, no desporto, ou nos reality shows. Sempre dentro do princípio de que o sentimento prevalece sobre a lógica.

De modo que, a par das manifestações de solidariedade para com o povo da Ucrânia, preparemo-nos para que alguém, como aquele francês, venha para a praça pública perguntar: mas afinal, quem quer perder o emprego, ou ir à falência, pela Ucrânia?

As sanções são armas de dois gumes, e os fabricantes de calçado e vestuário, os produtores de vinho, os exportadores de cortiça, e até os negociantes de frutas irão fazer essa mesma pergunta.

Porque a questão dos combustíveis, gás natural ou petróleo, é apenas uma das muitas que se irão levantando.

E, tal como a caridade, a solidariedade deve começar em casa…