Parecer alerta para eventuais prejuízos para o Estado se Fundação Berardo for extinta
Um parecer do Conselho Consultivo das Fundações (CCF) alertou para eventual prejuízo para o Estado e investigações judiciais em curso caso avance a extinção da Fundação José Berardo, decidida em janeiro deste ano pelo Governo.
O documento com a posição do Conselho Consultivo, presidido por Artur Santos Silva, noticiado hoje pelo jornal Público, pede ponderação neste processo, que também poderá ter impacto na Coleção Berardo, à guarda do Estado.
"Existe incerteza em relação aos efeitos de um ato administrativo de extinção, designadamente decorrente da liquidação do património da [Fundação José Berardo] FJB, assim como aos efeitos de eventual insolvência para os interesses do Estado, incluindo sobre a ´Coleção Berardo´", apontou o documento.
O parecer do CCF data de 03 de março, mas só agora foi publicado no portal do Governo.
Neste caso, o CCF avaliou o desempenho e atividade da FJB e concluiu que tem sido "diferente dos estatutos a que se propunha" de forma "reiterada" e "voluntária", apontando "factos muito graves" na sua atuação.
No documento, o CCF defende que as ações devem ir além das apenas administrativas, devendo "suscitar também o necessário e urgente apuramento de responsabilidades financeiras e criminais" na atividade da fundação do colecionador e empresário, com sede no Funchal, na Madeira.
No entanto, o CCF recomenda, no parecer, que "devem ser especialmente ponderados os efeitos práticos, diretos e indiretos, de decisão administrativa [da extinção], por forma a não prejudicar nem perturbar as ações judiciais urgente, nem a diminuir as garantias e os interesses do Estado, os quais podem, e devem, ser especialmente acautelados pelo Ministério Público".
José Berardo, que preside à fundação em seu nome a título vitalício, foi detido a 29 de junho de 2021, tendo ficado indiciado de oito crimes de burla qualificada, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada, dois crimes de abuso de confiança qualificada e um crime de descaminho.
Acabou por ser sujeito a uma caução de cinco milhões de euros e a proibição de sair do país sem autorização do tribunal.
O Governo tinha decidido pela extinção da FJB com base num relatório de auditoria da Inspeção-geral das Finanças (IGF), que encontrou elementos demonstrativos de que a finalidade real da fundação não coincidiu com o fim previsto nos seus estatutos.
De acordo com a Lei-Quadro das Fundações, qualquer ação de extinção tem de ser antecedida por um parecer do CCF, sendo que estas entidades podem ser extintas quando o seu fim real não coincide com o previsto e quando não tiverem desenvolvido qualquer atividade relevante nos três últimos anos.
O CCF também analisou o relatório da IGF e realçou que este revelou "factos muito graves" com atividades distintas aos seus estatutos, nomeadamente operações financeiras, designadamente aquisição de ações/participações no capital de empresas e empréstimos avultados.
O CCF sublinhou que a administração da FJB não está regularmente constituída pelo menos desde 2005 e os atos por ela praticados "tiveram consequências graves e negativas para o património" da FJB, não tendo, além disso, prestado contas publicamente, pelo que o CCF recomenda a sua destituição.
O documento do CCF referiu ainda que a FJB "beneficiou indevidamente" do estatuto de Fundação e de IPSS - que lhe foi retirado em 2020 pelo Estado - por não ter realizado os seus fins estatutários, não cumpriu obrigações legais e por ter auferido "de forma inapropriada", benefícios e isenções públicas "em relação às quais o Estado/contribuintes têm o direito de adequada reparação".
No entanto, os conselheiros apontam dúvidas e incertezas sobre esta medida de extinção da FJB e, mesmo considerando os atos "muito graves", e passíveis de atuação criminal, alertam para o impacto desta ação no decorrer da investigação judicial em curso.
O mesmo parecer alertou ainda que "subsistem dúvidas sobre a admissibilidade legal de ´cláusulas de reversão´ como as constantes nos estatutos da FJB".
No final de maio, o Governo anunciou que iria denunciar o protocolo assinado entre o Estado e o colecionador de arte José Berardo, com efeitos a 01 de janeiro de 2023.
Foi com este protocolo, assinado em 2006, que viria a ser criada a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea --- Coleção Berardo, com a participação do colecionador José Berardo, do Estado, através do Ministério da Cultura, e da Fundação Centro Cultural de Belém, com a missão de criar o Museu Berardo para exibir um acervo inicial de 862 obras da coleção de arte moderna e contemporânea do empresário.
O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, indicou que a Fundação de Arte Moderna e Arte Contemporânea -- Coleção Berardo será extinta e será iniciado o processo para "a criação de um museu de arte contemporânea que potencie várias coleções", no Centro Cultural de Belém (CCB), e que quando os tribunais tomarem uma decisão definitiva sobre a propriedade das obras da Coleção Berardo o Estado irá negociar os temos de um novo acordo.
As obras estão arrestadas desde julho de 2019, na sequência de um processo interposto em tribunal pelo Novo Banco, a Caixa Geral de Depósitos e o BCP, para recuperarem uma dívida de mais de 962 milhões de euros.