Aumento exponencial de armas no Brasil provoca riscos no processo eleitoral
A diretora executiva do Instituto Sou da Paz disse à Lusa que o aumento exponencial da compra de armas no Brasil, adquiridas maioritariamente por apoiantes do Presidente brasileiro, pode colocar em risco o processo eleitoral.
"Os grupos que se armam são predominantemente apoiantes do Presidente, para os quais o Presidente governou. É uma base muito forte fiel ao Presidente Bolsonaro", afirmou Carolina Ricardo.
A responsável pelo instituto brasileiro que produz pesquisas aplicadas sobre segurança pública considerou que "o risco está mais forte", porque "o Brasil está muito mais armado".
"Não quero dizer que vão pegar em armas para o defender", mas a realidade é que "têm armas na mão", frisou.
Nos últimos meses, tem havido um crescimento de vozes de analistas, de instituições e organizações que procuram chamar a atenção para o facto de Jair Bolsonaro estar a inflamar a base de apoio e a criar bases para 'uma invasão do Capitólio', como aconteceu nos Estados Unidos.
Tal como o ex-Presidente norte-americano Donald Trump, Bolsonaro insiste que o sistema de votação do país não é confiável e tem acusado repetidamente membros da autoridade eleitoral de favorecer Luiz Inácio Lula da Silva.
"A discussão está muito polarizada, muito aguerrida, o risco existe", considerou Carolina Ricardo, lembrando que a partir de 2020 Bolsonaro "começou a dar recados de que a arma pode defender o cidadão de uma medida política"
A responsável referia-se assim a um episódio em 2020, durante o apogeu da covid-19, no qual Bolsonaro apelou à população para recorrer às armas contra os confinamentos impostos por alguns governadores de estados brasileiros.
"Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia para rua", disse Bolsonaro, em 2020.
Na opinião da diretora executiva do Instituto Sou da Paz, o Presidente brasileiro tem vindo, de alguma forma, a insuflar a base de apoio "autorizando o uso político da arma de fogo".
"Não quer dizer que todo o mundo é maluco (...) mas são muitas armas, não é preciso 50 mil pessoas, basta uma pessoa que resolva dar um tiro no dia das eleições, fazer um atentado contra alguém, um atentado simbólico", disse.
Os dados disponibilizados pelo Exército e pela Polícia Federal brasileiros e compilados pelo instituto são demonstrativos de um aumento exponencial da compra de armas desde que Bolsonaro tomou posse a 01 de janeiro de 2019.
Em 2018, a quantidade de armas no poder de caçadores, atiradores e colecionadores (CAC) era de 350.683. Em 2019 esse valor saltou 24% para 433.246, em 2020 para 569.748 e até novembro de 2021 aumentou mais de 100.000 para 794.958. Cada CAC pode ter até 60 armas.
As autorizações emitidas para novos registos de CAC também dispararam: se em 2018 houve 87.989 novos registos, esse número cresceu para mais de 147 mil novas entradas em 2019, 218 mil em 2020 e, só no primeiro semestre de 2021, quase 165 mil.
"Temos visto uma entrada recorde de novas armas em circulação", constatou Carolina Ricardo, afirmando que "um percentual bastante grande das armas que são usadas no crime são armas nacionais, fabricadas aqui, vendidas aqui, legais".
"As armas legais têm um papel no mercado ilegal", um problema ainda mais sério quando se aumenta "a fonte de armas legais, que é o que tem feito este Governo", disse.
Se somarmos o número de armas compradas pelos CAC, armas particulares de militares e armas ativas para defesa pessoal constata-se uma forte subida, sustentada, nos últimos três anos.
Em 2018 eram 1.320.582, mas a partir daí os números sobem: em 2019, primeiro ano do mandato de Bolsonaro, 1.509.459 (+14%), no ano seguinte, verifica-se um aumento de 20% e o número de armas cifra-se em 1.817.073. Por fim, até novembro de 2021, o número de armas é já 2.344.882, segundo os dados oficiais compilados pelo instituto.
O Instituto Sou Pela Paz registou, desde o início do mandato de Bolsonaro, em 2019, pelo menos 40 normas, entre decretos, portarias, instruções normativas para facilitar o acesso às armas.
Estas decisões, frisou a responsável, reduzem a capacidade de atuação por parte da polícia, igualando as forças.
"A população brasileira, de uma forma geral, seja o cidadão comum, sejam os caçadores, colecionadores e atiradores, têm comprado armas como nunca compraram antes", reiterou Carolina Ricardo, considerando que esta questão preocupa muito o instituto dadas as características do Brasil.
"O país é muito conflituoso, com taxas altas de homicídios" das maiores da América Latina, disse, sendo que tudo está ampliado, "tanto a quantidade de armas, como a quantidade de pessoas que podem ter armas, há de tudo".
O instituto defende, por isso, que as revisões de renovação de licença de arma sejam encurtadas para dois anos, quando agora decorrem de 10 em 10 anos.
Carolina Ricardo apelou ainda para que se fortaleça a "capacidade do exército de fiscalizar" e seja reforçada a marcação das munições.