Turquia deverá continuar a impedir adesão plena da Suécia e Finlândia à NATO
Os líderes dos países da NATO vão adotar, na cimeira desta semana, um novo conceito estratégico na sequência da guerra na Ucrânia, mas deverão confrontar-se com a persistência do veto turco à adesão da Finlândia e Suécia.
Na designada cimeira de Madrid, que decorre entre terça e quinta-feira na capital de Espanha, a adesão dos dois países escandinavos vai ser um dos principais tópicos de uma intensa agenda, mas todos os sinais indicam que vão permanecer os obstáculos para o início do processo, mesmo que o pedido formal já tenha sido aceite pela chefia aliada.
Na passada quinta-feira, ao receber em Ancara a sua homóloga britânica, Liz Truss, o ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Mevlut Çavusolglu, assinalou que "a cimeira da NATO não é um limite" e que "não existe uma data final para completar o processo de entrada [na Aliança]" dos dois países.
Recordou ainda a recente presença na Turquia de delegações da Suécia e da Finlândia, a partilha de preocupações e expectativas e a entrega de um documento pelos nórdicos que, disse, "ainda não (...) parece suficiente".
Em paralelo, e numa antevisão da cimeira de Madrid, o chefe da NATO, Jens Stoltenberg, admitiu que a Turquia "tem legítimas preocupações sobre segurança" e indicou que estão a "tentar ser resolvidas juntamente com a Suécia e Finlândia".
Para levantar o seu bloqueio à adesão de Estocolmo e Helsínquia, Ancara tem exigido aos dois países nórdicos uma "alteração radical" da sua atitude face às organizações políticas curdas. E admite-se que algumas reivindicações sejam aceites, devido à importância geopolítica do país euro-asiático, com o segundo maior exército da organização militar aliada depois dos Estados Unidos.
Os dois países nórdicos têm manifestado apoio às Unidades de Proteção Popular (YPG), a formação armada dos curdos sírios e principal componente das Forças Democráticas Sírias (HSD), que Ancara acusa de ligações diretas ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado "organização terrorista" pela Turquia, União Europeia e EUA na sequência da rebelião armada curda no sudeste turco iniciada em 1984.
A Suécia também possui uma importante comunidade curda e mantém tradicionais ligações políticas com esta corrente, mais intensas que a vizinha Finlândia. A Turquia censura Estocolmo por continuar a receber representantes da administração autónoma curda do nordeste da Síria, e comandantes militares.
Ancara também pede que os dois países escandinavos levantem o embargo às armas com destino à Turquia, imposto devido às incursões militares turcas na Síria para combater os militantes curdos e impedir a concretização da Rojava, o projeto de uma ampla região autónoma curda e eventual embrião de um futuro Estado.
A liderança finlandesa já admitiu os riscos de um "congelamento" da situação, pelo facto de uma cedência às exigências da Turquia surgir como uma contradição face aos seus apregoados princípios em termos de direitos humanos, incluindo a liberdade de expressão. E a nova lei antiterrorista que foi preparada pelos suecos, com entrada em vigor em 01 de julho, parece não ter convencido a delegação turca no encontro presencial de 21 de junho.
A firmeza negocial da Turquia também deve ser entendida num contexto geopolítico mais amplo. Na sequência da invasão militar da Ucrânia, a liderança turca pretende assumir-se como um mediador imprescindível e ainda tornar-se num decisivo ator da NATO no xadrez do Médio Oriente.
No balanço final, a Turquia também pensa extrair benefícios não apenas de Estocolmo e Helsínquia, mas também da organização militar aliada, em particular o acordo com os Estados Unidos para garantir modernos aviões de combate.
Neste contexto, os líderes escandinavos têm insistido que o principal problema do Governo do Presidente turco Recep Tayyip Erdogan não é com os dois países, mas antes com a administração dos Estados Unidos.
As relações entre Washington e Ancara registaram um súbito agravamento após a decisão turca, Estado-membro da NATO desde 1952, de adquirir o sistema de mísseis russos terra-ar S-400, com as primeiras unidades entregues em 2019.
Os Estados Unidos retaliaram e impuseram um embargo ao envio de peças para os caças F-35 norte-americanos, além de suspenderem os treinos para os pilotos turcos.
A persistente tensão com a Grécia e Chipre no Mediterrâneo oriental e a intervenção militar no norte da Síria contra as YPG, apoiadas por Washington no seu combate aos 'jihadistas' do Estado Islâmico, também têm constituído entraves para uma efetiva reaproximação, apesar do já tradicional silêncio ocidental face às crescentes derivas autocráticas e repressivas de Ancara.
O processo de adesão dos dois Estados escandinavos foi uma decisão tomada após a invasão Rússia da Ucrânia, apesar de já manterem há muito uma estreita colaboração com a aliança ocidental, incluindo diversos exercícios militares conjuntos.
Este acontecimento constitui uma viragem para os dois países, mas também para um mundo que vai passar a ser diferente após a invasão russa ao seu vizinho eslavo.
A neutralidade constituía o princípio fundamental da política externa da Suécia, que não está em guerra há 200 anos. E até finais de 2021, a maioria dos suecos eram favoráveis ao prosseguimento desta política.
No entanto, após o "ultimato" da Rússia em dezembro passado, expresso numa longa lista sobre a reorganização do sistema de segurança na Europa, iniciou-se uma intensa campanha antirrussa dirigida à população e movida em particular pelas forças políticas de direita e diversos 'media', empenhados em promover a adesão à NATO.
Quando se iniciou a invasão da Ucrânia, o Partido social-democrata, no poder, ainda considerava que a integração da Suécia na NATO iria desestabilizar a região. Mas pouco depois, e sem consultar as suas bases, decidiu alterar radicalmente a sua posição.
Uma das questões em discussão consistia na "finlandização" da Ucrânia. Após a Segunda Guerra Mundial, a Finlândia cedeu 10% do seu território à União Soviética e através de um acordo prometeu adotar a sua política externa à praticada por Moscovo. Desta forma, prescindiu de parte da sua independência.
Através do "ultimato" emitido ao ocidente, a Rússia pedia a retirada da NATO dos países que antes integravam o Pacto de Varsóvia e o abandono pelos países ocidentais da política de integração desses países, que a Rússia define como "áreas de interesse legítimo".
Assim, pretendia-se a formação de uma nova ordem de segurança que não ameaçasse a Rússia, que perante o impasse optou pela concentração massiva de tropas e os preparativos para uma invasão. Algumas semanas após a intervenção militar, a opinião pública na Suécia começou a mudar a favor da adesão à NATO, como já estava a suceder com os finlandeses.
O anúncio sobre o veto da Turquia à adesão dos dois países foi acolhido com precaução, com o secretário-geral aliado a demonstrar esperança em negociações para ultrapassar o impasse, Washington a partilhar essa perspetiva, e os líderes dos dois Estados nórdicos a sublinharem a necessidade de "conversações construtivas".
O panorama geral parece apontar, de novo, para o "sacrífico" das populações curdas em particular da Turquia e Síria, em nome da "política real".