Parlamento britânico vota legislação para "resolver problemas" na Irlanda do Norte
A proposta de lei britânica destinada a "resolver os problemas" criados pelo Brexit e proteger a paz na Irlanda do Norte, e que a União Europeia (UE) condenou, vai ser votada na generalidade na Câmara dos Comuns na segunda-feira.
De acordo com o Governo britânico, a legislação vai alterar partes do Protocolo sobre a Irlanda do Norte do Acordo de Saída do Reino Unido da UE de forma a resolver "processos alfandegários onerosos, regulamentação inflexível, discrepâncias fiscais e de gastos, e questões de governação democrática". "A nossa prioridade principal é proteger o Acordo de Belfast (Sexta-feira Santa), a base da paz e estabilidade na Irlanda do Norte - na sua forma actual, o Protocolo está a por em risco este delicado equilíbrio", justifica a ministra dos Negócios Estrangeiros, num comunicado. A legislação, continuou Truss, "vai resolver os problemas que o Protocolo criou, assegurando que as mercadorias possam circular livremente no Reino Unido, evitando ao mesmo tempo uma fronteira dura e salvaguardando o mercado único da UE".
O Protocolo, concluído em 2019, foi a solução encontrada durante o processo do Brexit para evitar uma fronteira física com a Irlanda, um dos requisitos dos acordos de paz de 1998. Na prática deixa a Irlanda do Norte dentro do mercado único de mercadorias da UE, ficando o território sujeito a normas e leis europeias, e implica controlos e documentação adicional sobre mercadorias que circulam entre o Reino Unido e a província. Porém, o Partido Democrata Unionista (DUP) considera criar uma "fronteira" com o resto do país, e em protesto bloqueou a formação de um novo governo regional após as eleições de maio.
A proposta de lei introduz "canais verdes e vermelhos" para bens britânicos destinados à Irlanda do Norte e mercado europeu, respetivamente, eliminando "custos e burocracia desnecessários para as empresas que operam no Reino Unido, assegurando ao mesmo tempo que são efectuados controlos completos para os bens que entram na UE". O objetivo, diz o Governo, é permitir que os bens britânicos possam ser consumidos na província quando, no futuro, forem produzidos de acordo com normas britânicas diferentes das europeias.
A legislação britânica pretende também eliminar os limites aos apoios estatais impostos para impedir situações de concorrência desleal com a UE, permitindo que "a Irlanda do Norte possa beneficiar das mesmas isenções fiscais e políticas de despesas que o resto do Reino Unido, incluindo cortes no IVA". Por fim, o executivo britânico quer eliminar o papel de supervisão do Tribunal de Justiça Europeu ao Protocolo e permitir que "os litígios sejam resolvidos por arbitragem independente".
O embaixador da UE no Reino Unido, João Vale de Almeida, declarou hoje numa entrevista à estação Sky News que a iniciativa não vai levar a lado nenhum porque "é ilegal e irrealista", referindo que viola a lei internacional e britânica, já que o acordo com a UE foi ratificado pelo parlamento britânico. Em retaliação a esta medida, a Comissão Europeia abriu vários procedimentos de infração contra o Reino Unido por violação do direito internacional. "Também acreditamos que não irrealista porque não oferece uma verdadeira alternativa ao Protocolo. Tivemos negociações longas para tentar fazer a quadratura do círculo para contornar os problemas criados pelo Brexit e o tipo de Brexit que foi escolhido na Irlanda do Norte", recordou o português.
Embora reconheça existir atualmente um impasse entre Londres e Bruxelas, o diplomata reiterou a disponibilidade para "encontrar as soluções práticas na implementação", mas deixou uma ressalva: "Não podemos negociar se o ponto de partida é dizer que tudo aquilo que acordámos antes deve ser posto de lado". Depois do debate na generalidade, o texto vai ser debatido na especialidade e terá ainda de passar pela Câmara dos Lordes, a câmara alta do parlamento britânico, pelo que o processo deverá demorar vários meses até chegar à promulgação.