Crónicas

O senhor mesquinho

Se por cada vez que criticamos alguém conseguíssemos elogiar quem merece, bastaria esse equilíbrio para sermos todos mais felizes e mais inteiros

A semana passada escrevi neste mesmo espaço uma crónica que posicionava as famosas lambecas do Porto Santo como um dos patrimónios históricos da ilha que lhe emprestam um caráter único e que a tornam tão especial. Chamei-lhe “o senhor das lambecas”, sem conhecer o senhor José. Nunca privei com ele, não lhe conheço a família, os hábitos ou se é má ou boa pessoa. Nem era essa a ideia. Quis através dele expressar uma homenagem a pessoas empreendedoras que fizeram algo pela terra, os que construíram os seus próprios negócios a pulso, que souberam manter a sua magia sem a adulterar e que neste caso, quase sem querer se tornou num ponto de passagem obrigatória que marcou seguramente a infância de muitos que como eu a recordam com saudade dos bons momentos. Não passou muito tempo da sua publicação até que começasse a receber emails e mensagens a mal dizer o referido senhor, a falar mal dos gelados e até da (falta de) higiene do seu espaço. Não tenho por hábito ler os comentários que me escrevem nas redes sociais mas segundo me disseram, também por lá se assistiu a um chorrilho de críticas e disparates, tão comuns a este pelourinho dos tempos modernos.

Como referi, não conheço o senhor José, mas conheço muito bem a sociedade portuguesa da qual tanto me orgulho de fazer parte e para quem me dirijo tantas vezes com palavras elogiosas. Nessa sociedade existe infelizmente uma franja de “senhores invejosos” para quem a vida é feita para dizer mal dos outros. Invejosos e mesquinhos. Os que nada fazem mas tudo criticam. Os que nunca saíram do conforto do seu sofá mas que se referem aos projectos bem sucedidos dos seus vizinhos com um “assim também eu”. Os que, como nunca arriscaram, acham que nunca perderam, sem se dar conta que é nas derrotas que construímos as lições para dar a volta ao texto e chegarmos lá. Os que se alimentam do mal dos outros, que pisam e mandam abaixo para aliviar as suas próprias frustrações. Os que conspiram pela calada, que se escondem atrás de perfis falsos e cartas anónimas. Os que fazem julgamentos na praça pública e assassinatos de caráter sem permitir o contraditório, uma simples explicação ou justificação. Que desejam o mal, mesmo dos mais próximos e que anseiam em surdina que os outros tropecem, escorreguem ou caiam, de preferência sem se conseguirem mais levantar.

Fazem-me lembrar a personagem de Ebenezer Scrooge no livro “Um conto de Natal”, um clássico de Charles Dickens. Nessa história 3 fantasmas apareceram para mostrar ao velho avarento e frio o quão miserável era a sua vida, o quão feliz já havia sido antes de se deixar levar pela ganância e o que podia ainda fazer para de alguma forma alterar o seu legado e o seu cunho. Infelizmente existe por aí muita gente que precisava que lhe aparecessem alguns fantasmas para lhes mostrar o prejuízo que fazem às outras pessoas mas acima de tudo que lhes fizessem ver que o tempo que desperdiçam e as forças que empregam na calúnia e na critica destrutiva seria bem mais útil e proveitosa até para eles próprios, se servisse para construir os seus próprios sonhos e para ajudar os que precisam de apoio e de moral. Às vezes não temos bem a noção da diferença que pode fazer na vida de alguém um elogio, uma palavra de incentivo, um mostrar que estamos ali mesmo nos erros e nas imperfeições.

A critica construtiva é sempre bem vinda. A destrutiva é dispensável. Se por cada vez que criticamos alguém conseguíssemos elogiar quem merece, bastaria esse equilíbrio para sermos todos mais felizes e mais inteiros. Faria melhor a quem recebe mas também a quem dá. Quem faz da ofensa uma forma de estar, quem se sente mais reconfortado em denegrir quem tenta, quem retira prazer no falhanço e no sofrimento ou quem escolhe meticulosamente as palavras para atingir onde dói mais, merece tão só a nossa indiferença mas também um sentimento de pena por não conseguirem desfrutar de uma leveza que torna a nossa vivência mais simples e de propósitos mais definidos. Tenham sempre muito cuidado quando ouvirem por aí alguém a falar mal de tudo e de todos porque assim que virarem costas, de forma cobarde os próximos visados serão vocês.