O bom, o mau e o marinheiro
Não há um único marinheiro ou trabalhador da Marinha envolvido na vigilância das Selvagens
Da escola de reputados comunicadores em que se tornou a DGS, chega-nos mais uma pérola. Depois do Subdiretor ter imaginado um Natal pandémico com visitas no quintal e troca de compotas, chegou a vez da Diretora dar um ar da sua graça. Na apresentação do programa Juntos por um Verão Seguro, Graça Freitas listou os perigos que espreitam os portugueses que vão a banhos. Entre eles o bacalhau à brás, um alegado destruidor de fins de semana. Não satisfeita com o deslize gastronómico, a Diretora ainda teve tempo para relembrar que Agosto não é um bom mês para se ter acidentes ou doenças. Conclusões? O bacalhau sempre cozido. E temos o melhor serviço de saúde do mundo, menos em Agosto. Boas férias!
O bom: A União Europeia e a Ucrânia
O Conselho Europeu concedeu à Ucrânia o estatuto de país candidato à União Europeia. Por arrasto, veio a Moldávia e, de seguida, virá a Geórgia. Há menos de 4 meses, esse estatuto era, para além de improvável, pouco desejado. Por várias razões. Primeiro, porque o processo de adesão à União é vagaroso e tem desígnios insondáveis. A Turquia candidatou-se em 1987, foi declarada candidata em 1999 e em 2022 continua no purgatório europeu. Na fila por um lugar à mesa de Bruxelas aguarda, ainda, o Montenegro, a Sérvia, a Albânia e a Macedónia. Se contarmos com os candidatos a candidatos, há que juntar o Kosovo e a Bósnia. Segundo, a Ucrânia não cumpria, e não cumpre, com os requisitos essenciais para a entrada na União. Sabem-no os ucranianos e sabe-o muito bem a liderança europeia. Ainda assim, nenhuma dessas razões é relevante para a decisão que agora se tomou. Em primeiro lugar, porque o estatuto de país candidato não é uma entrada antecipada, nem sequer a garantia de que isso acontecerá. Em segundo lugar, porque a guerra voltou a mudar o mundo. E ao mudá-lo, alterou o papel exigido à União Europeia. Ao projeto europeu não basta a gestão das taxas de juro e dos limites de endividamento nacionais. Hoje é essencial regressar aos valores que fundaram a união dos europeus e dar a mão a quem deles quer partilhar. Sem atalhos ou vias rápidas na aprovação de qualquer candidatura, mas nunca fechando a porta a quem foge da tirania. A lista de espera balcânica para a entrada na União Europeia não é mera coincidência geográfica.
O mau: A liquidação do SNS
No mesmo dia em que, no parlamento, admitiu falhas inaceitáveis no SNS, António Costa segurou Marta Temido. À vista desarmada, a contradição só encontra explicação no conforto da maioria absoluta do PS. Um olhar mais pausado, revela que Temido, como tantos outros ministros socialistas caídos em descrédito, servem mais ao primeiro-ministro arrastando-se no governo, do que demitidos. Foi assim com Eduardo Cabrita, já o tinha sido com Constança Urbano de Sousa. Mais vale o arraso de um ministro, que a crítica ao governo. Entretanto, no país real, as grávidas tentavam adivinhar em que dia teriam urgências obstétricas abertas perto da sua residência. De reforma estrutural em reforma estrutural, foi este o Serviço Nacional de Saúde que nos deixaram. Cada vez mais caro e com cada vez menos capacidade de resposta. As causas extravasam os limites desta crónica. Falta de concorrência entre unidades de saúde, irrelevância dos indicadores de desempenho, gestão cada vez mais centralizada, inexistência de um sistema de incentivo aos profissionais de saúde. Tudo isto pontuado com uma obsessão ideológica em tornar a prestação de cuidados de saúde num monopólio do Estado. Custe o que custar. Veja-se o exemplo do Hospital de Braga, inicialmente gerido através de uma parceria público-privada, com qualidade de serviço e ganhos reconhecidos pelo Tribunal de Contas. Três anos depois da sua extinção, exigida pela malograda geringonça, o Hospital de Braga está em situação de falência técnica e é um dos muitos hospitais com a urgência obstétrica repetidamente fechada.
O marinheiro: O Representante da República
Do aconchego do palácio de São Lourenço e entusiasmado pela visita da Ministra da Defesa, o representante da República decidiu perorar sobre as condições de trabalho nas Ilhas Selvagens. Não se lhe conhece relevante currículo como marinheiro, ainda assim Ireneu Barreto resolveu chamar a si as dores e dificuldades da Marinha. Então, numa inusitada declaração, o representante, ao arrepio da habitual postura isenta, por vezes distante, discorreu sobre o número de dias da rendição dos vigilantes nas Ilhas Selvagens e rematou com a existência de constrangimentos que tudo justificariam. A história carece de um breve enquadramento. As Selvagens têm vigilância presencial permanente, levada a cabo por agentes da Polícia Marítima e vigilantes do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza. A sua rendição era feita de 15 em 15 dias e o transporte assegurado pela Marinha. Entretanto, por razões operacionais, ou seja “calem-se e comam”, a rendição passou a ser feita de 21 em 21 dias, prolongando a estadia nas ilhas. Há dois pormenores que incomodam nesta história. Não há um único marinheiro ou trabalhador da Marinha envolvido na vigilância das Selvagens, o que deita por terra o sacrifício exigido pelo Representante. Por fim, depois do alargamento, por iniciativa regional, da reserva marinha das Selvagens, é sintomático que o primeiro sinal do Estado para esse projeto seja a redução de despesa. Infelizmente, sobre esse desinvestimento, não ouvimos uma palavra do Representante da República.