Guterres garante não estar preocupado com legado mas em "fazer o melhor" pelo planeta
António Guterres garantiu à Lusa não estar preocupado com o legado que deixará enquanto secretário-geral da ONU, mas em fazer o seu melhor pelo ambiente e pelos Oceanos, avaliando que a Conferência de Lisboa será de "enorme importância".
Desde que assumiu o cargo de secretário-geral das Nações Unidas, em janeiro de 2017, Guterres tem sido uma voz constante na luta contras as alterações climáticas e pela defesa do meio ambiente. Contudo, segundo o ex-primeiro-ministro português, esses esforços não partem da tentativa de deixar um legado nessa área.
"Eu nunca me preocupei com o legado. Acho que temos de nos preocupar em fazer o nosso melhor, dar tudo por tudo para resolver os problemas que enfrentamos, mas sem pensar em legados, porque normalmente quando pensamos demais em nós próprios, pensamos de menos naquilo que devemos fazer", disse Guterres em entrevista à Lusa, na sede da ONU, em Nova Iorque.
E uma das grandes iniciativas ambientais que as Nações Unidas têm em andamento é a Conferência dos Oceanos, que decorrerá em Lisboa entre 27 de junho e 01 de julho, coorganizada por Portugal e pelo Quénia, e que contará com a presença de António Guterres, além de chefes de Estado e de Governo de todos os continentes.
A Conferência - a segunda organizada pela ONU sobre o tema - acontece num momento em que o mundo enceta esforços para mobilizar, criar e promover soluções que permitam alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável traçados na chamada Agenda 2030.
A reunião internacional na capital portuguesa irá promover uma série de soluções inovadoras de base científica, destinadas a lançar um novo capítulo na ação global para os Oceanos.
De acordo com Guterres, os "Oceanos enfrentam uma verdadeira emergência" e é preciso "acordar o mundo" para o facto de não existir nenhum mecanismo de governo sobre os Oceanos.
"Esta Conferência tem uma enorme importância, em primeiro lugar para tocar a rebate. Nós estamos a enfrentar nos Oceanos uma situação de emergência. Convergem nos Oceanos as três grandes crises ambientais que temos no mundo: as alterações climáticas, a poluição e a redução da biodiversidade", disse.
Estas três crises globais que põem em causa o futuro do planeta, segundo o secretário-geral da ONU, convergem nos Oceanos.
"Basta ver que, por causa das alterações climáticas, os Oceanos estão mais quentes, há mais tempestades, essas tempestades são mais frequentes e com consequências mais devastadoras. A água do mar está a subir e está a acelerar nessa subida. Isso põe em causa as regiões costeiras, as pequenas ilhas, mas em geral, uma grande parte da humanidade vive junto ao mar e há uma ameaça clara com a subida do nível das águas", salientou.
Também a absorção de dióxido de carbono (CO2) foi umas das preocupações elencadas por Guterres, uma vez que acidifica os Oceanos e põe em causa a cadeia alimentar, frisando que muitos dos corais estão já destruídos.
"Ao mesmo tempo, a sobrepesca, a poluição, sobretudo os poluentes, que têm um efeito destruidor em relação às espécies vivas, fazem com que a biodiversidade nos Oceanos esteja em causa. E, finalmente, a crise de poluição. 80% das águas que são despejadas nos Oceanos não são tratadas", observou o secretário-geral, salientando que oito milhões de toneladas de plástico são despejados anualmente nos Oceanos.
Guterres chamou a atenção para as chamadas "zonas negras" em certas áreas costeiras em que a poluição "matou praticamente tudo quanto existia".
"E se olharmos para uma zona do Pacífico onde se concentraram muitos destes detritos em plástico, a área corresponde à área da França. E os microplásticos, nós sabemos os riscos que representam para a saúde: no ar que respiramos, na água que bebemos, em todos estes aspetos. (...) É preciso acordar o mundo, porque não existe nenhum mecanismo de Governo sobre os oceanos", lamentou.
Para o líder das Nações Unidas, falta um mecanismo global de governança para que seja possível responder a esta emergência que os Oceanos enfrentam, destacando que cada questão oceânica é tratada isoladamente por diferentes organizações, quando deveria haver uma ação global sobre o tema.