Inclusão da Argentina nos BRICS obrigaria Brasil a adoptar papel mais activo
O investigador brasileiro Evandro Carvalho considerou que a inclusão da Argentina nos BRICS obrigaria o Brasil a adotar um papel "mais ativo", após vários anos em "piloto automático" no bloco de economias emergentes.
"Esse ingresso obrigaria o Brasil a ser um ator ativo, ou caso contrário perderia o espaço diplomático para a Argentina", apontou Evandro Carvalho, professor visitante no Centro de Estudos dos BRICS da Universidade Fudan, em Xangai, em declarações à agência Lusa.
A 14.ª cimeira dos BRICS, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, arrancou esta quinta-feira, em Pequim. A expansão do bloco, num período de crescente polarização nas relações internacionais, é um dos principais pontos da agenda.
A inclusão da Argentina é bem vista pela China e Rússia, numa altura em que os dois países tentam alargar o grupo, visando aumentar a sua influência política, em contraste com a posição mais cautelosa do Brasil e Índia.
Para Evandro Carvalho, a inclusão da Argentina criaria uma "competição sadia", após o Governo de Jair Bolsonaro ter "voltado as costas" para a América Latina.
Bolsonaro assumiu o poder com a promessa de reformular a política externa brasileira, com uma reaproximação aos Estados Unidos, e pondo em causa décadas de aliança com o mundo emergente. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, Ernesto Araújo, que foi entretanto substituído, adotou mesmo uma retórica hostil face à China.
"Face às dificuldades para desenvolver uma relação de altíssimo perfil com o Brasil, a China encontrou uma porta maior, uma porta aberta, na Argentina", descreveu o investigador.
Citado pelo jornal oficial Global Times, o embaixador argentino em Pequim, Sabino Narvaja, disse hoje que o seu país quer ingressan nos BRICS "por ser um mecanismo de cooperação formado por economias emergentes" em que a cooperação é "mutuamente benéfica" e sem condições.
O Presidente argentino, Alberto Fernández, participou na cimeira a convite da China, segundo a embaixada da Argentina em Pequim.
"O mecanismo de cooperação dos BRICS é de grande importância para a construção de um mundo mais multipolar e equilibrado", disse o diplomata.
Narvaja mencionou as previsões de especialistas que preveem que a influência económica dos BRICS vai ser superior à do G7, que inclui Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido.
"Se este mecanismo puder ser ampliado ainda mais, com certeza aumentará a sua influência e o seu 'status' na ordem internacional", argumentou.
O embaixador mencionou também o potencial de cooperação entre os BRICS e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), cuja presidência temporária é atualmente ocupada pela Argentina. O Governo de Bolsonaro decidiu retirar o Brasil daquele bloco regional, em 2020.
"A grande maioria dos países latino-americanos está muito interessada em desenvolver relações com a Ásia e principalmente com a China, devido à forte complementaridade económica entre ambas as partes, principalmente no campo das infraestruturas", destacou Narvaja.
O bloco BRICS ganhou expressão, pela primeira vez, em 2001, quando o economista Jim O'Neill, da Goldman Sachs, publicou um estudo intitulado "Building Better Global Economic BRIC", sobre as grandes economias emergentes.
O grupo reuniu-se pela primeira vez em 2009 e logo estabeleceu uma agenda focada na reforma da ordem internacional, visando maior protagonismo dos países emergentes em organizações como as Nações Unidas, o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional. O bloco passou a incluir a África do Sul no ano seguinte.
Segundo a visão de Pequim e Moscovo, a ascensão dos BRICS ilustra a emergência de "um mundo multipolar", expressão que concentra a persistente oposição dos dois países ao "hegemonismo" ocidental, e em particular dos Estados Unidos.