Os carvoeiros
Pouca gente se lembra deles, os carvoeiros.
Uma profissão clandestina, que existiu na Ilha da Madeira, quase até aos anos setenta, do século passado.
Era a eles, que o meu pai, ferreiro de profissão, comprava o carvão, para queimar na forja da sua oficina.
De pés descalços, rompiam entre a floresta daquelas serras de Santana, depois de terem palmilhado, a longa distância que os separava do povoado. Subiam pela madrugada e desciam ao cair da noite, para que não fossem vistos pela guarda florestal. Eram pesadas as coimas, para quem fosse apanhado na tarefa da feitura deste carvão de origem vegetal, já que a lei proibia tal ato. Um risco assumido, na ânsia de matar a fome aos filhos, numa época em que, abundava a miséria e, a fome era uma constante, em grande parte dos lares, em tempos de ganhos escassos.
Então, floresta adentro, iam se cruzando com os rebanhos de ovelhas, que se assustavam e fugiam deles, fazendo tilintar os chocalhos na sua fuga, cujo som se juntava ao balir das mesmas ovelhas, lembrando uma orquestra desafinada, que os carvoeiros não gostavam. Não gostavam, não por se tratar de tal desafinação, mas sim pelo sinal de uma presença humana, que aquela abalada dava e, assim mais depressa seriam denunciados. Com qualquer ramalhada, estes homens se assustavam.
Um certo dia em que, o meu pai reclamava a qualidade do produto ao carvoeiro, Francisco Mogango, este repostou-lhe assim: “Vá você fazê-lo, a gente anda lá por cima aos sobressaltos, com as calças na mão, não tem tempo para baboseiras, até o raio dos coelhos, ao fugirem da gente, nos pregam cada cagaço, que o senhor não imagina, tudo nos parece ser um guarda, que vem a chegar, sabe?”
Procuravam queimar a lenha, de onde provinha o carvão, num lugar escondido para não serem vistos, mas tinham o problema do fumo, que poderia ser visto à distância e denunciava a situação. No entanto, como as serras eram propícias ao nevoeiro, se este coincidisse com a hora da queimada, disfarçava a fumaça. Uma vez, o produto pronto, esperavam o cair da noite, para descerem serra abaixo sem serem vistos, com o pesado fardo de carvão às costas, que iriam entregar aos ferreiros cerca das dez horas da noite, regressando de seguida às suas humildes habitações, para saciarem o estômago com uma sopa, que os esperava, já que o almoço por norma, costumava ser um pão, que transportavam dentro de um saco e que, muitas vezes era amolecido com água da ribeira, na hora de ser comido.
José Miguel Alves