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O País de Gutenberg passa pela Madeira

Tudo começou nos ‘anos 90’ do Séc. XX. A informática chegava lentamente aos jornais e empresas (tipo)gráficas. Aos poucos muita maquinaria foi perdendo utilidade.

Sucata ou museu?

Aí surgiu a ideia. Faltava espaço adequado para acolher as ‘velharias’ de Gutenberg.

Há 30 anos, as ruínas marcavam a paisagem junto de uma curva larga e esplendorosa do Douro, no Porto.

Não havia Ponte do Freixo. O Palácio do Freixo estava em ruína acelerada. E, ao lado, pouco se salvava das ruínas de uma fábrica de briquetes do carvão, vindo das minas do Pejão.

Este pode ser o local ambicionado. Fazer das ruínas um museu de imprensa. Loucura, bradaram vozes. Fica muito longe do centro da cidade do Porto, ... impossível, pensaram muitos.

Descrenças e resistências. Muitas.

Vontade e apelos, também. Não há impossíveis.

A ideia do museu partira da cooperativa CFJ-Centro de Formação de Jornalistas. A ela juntaram-se os jornais centenários (Comércio do Porto, Diário de Notícias, Primeiro de Janeiro e Jornal de Notícias), a APIGRAF, associação patronal, a Fundação Engº António de Almeida e a Câmara Municipal do Porto.

Com parcos meios, inovação, criatividade, o projeto foi-se moldando. De baixo para cima, com pesquisa, ciência e paixão.

Doações, apoios, incentivos deram para chegar-se à inauguração a 4 de abril de 1997 com a presença do presidente Jorge Sampaio. Dia memorável. Abria-se assim o primeiro museu-vivo em Portugal e era lançado na internet o 1º Museu Virtual da Imprensa, à escala mundial.

Sampaio pusera um pé em Gutenberg e o outro no futuro (galerias e museus virtuais foram sendo criados)!

Aos poucos, a instituição foi-se afirmando como um museu de rotura dos padrões habituais. Na descentralização cultural por todo o país, afirmando-se assim como nacional no fazer e não apenas no título, e na internacionalização. Centros comerciais (Porto, Lisboa, Coimbra, Cascais...), praças e ruas, bem como o metro e estações ferroviárias tornam-se espaços de acolhimento dos projetos culturais do Museu Nacional da Imprensa. Mais de 750 exposições espalhadas pelo país e estrangeiro.

Descentralizar para democratizar a cultura é um dos motes da política cultural.

Esta descentralização é insuficiente. Abre-se então caminho a outras formas de ser museu: criar uma rede de núcleos/museus onde houver história tipográfica. Assim, Celorico de Bastos, Câmara de Lobos (Madeira) e Lousada surgem como os primeiros a entrar neste projeto singular, com outras regiões em linha. A ideia é clara: fazer de Portugal o país de Gutenberg. Temos memória e espólio para isso, como nenhum outro país da Europa, neste momento.

A nível internacional, abre-se o PortoCartoon-World Festival, em 1999, com o Presidente Sampaio presente.

Com o humor internacional, o Museu ganha uma dimensão única no panorama museológico. Siza Vieira e Georges Wolinski tornam-se figuras emblemáticas da consolidação mundial do PortoCartoon. O Porto é proclamado “capital do cartoon” (internacional), abre-se a residência artística Wolinski e cria-se um roteiro na cidade com esculturas de humor que se espalham como arte pública.

Em termos virtuais, cria-se o museu virtual do cartoon, abre-se a galeria Charlie Hebdo, lança-se o projeto multimédia “Ruas de Abril”, interativo e com geolocalização.

Consolidado à beira-rio, o Museu reforça a sua distinção mundial. De ruína desprezada, torna-se joia apetecida.

As ruínas também servem utopias.

Se o Presidente Mário Soares foi o primeiro a tomar contacto com o projeto embrionário, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa deram os seus contributos para a obra se solidificar. Com eles, além de Sampaio que foi o mais entusiasta, vários ministros, da Cultura, da Ciência e da Educação, emprestaram também o seu prestígio institucional ao projeto. Muitas foram as pessoas e instituições que contribuíram para o sucesso do Museu. As utopias não caem do céu.

E hoje, passados 25 anos sobre a abertura, o Museu precisa de reforçar a sua singularidade. Afastando tentativas fáceis de imitação xenófila. Alargando a rede de influência, por exemplo para os Açores e outras regiões do país. Há memória, património e história para ativar, com novas tecnologias à mistura. Porque “o país de Gutenberg’ está aí, quase ao dobrar da esquina…