Vigilante diz que o segredo para viver bem nas Selvagens é ocupar o tempo
Isamberto Silva, de 58 anos, diz que não lhe custa esse tempo de isolamento e solidão em lugar remoto, mesmo que seja no Natal, no dia do aniversário ou na passagem de ano, como aconteceu da última vez
Duas plantas, quatro escaravelhos, um caracol e três aranhas do arquipélago da Madeira partilham o nome científico 'isambertoi' devido ao vigilante da natureza que as deu a conhecer, Isamberto Silva, um madeirense habituado a longas estadias nas Selvagens.
"O segredo está em ocupar-se. Se uma pessoa não se ocupa, parece que tempo não passa, está sempre a olhar para o relógio", diz à agência Lusa, contando que a sua primeira estadia na reserva das Selvagens, um subarquipélago da Madeira localizado a cerca de 300 quilómetros a sul do Funchal, aconteceu em 1990 e foi de 15 dias.
Desde então, passou por lá muitas vezes, em turnos de 21 dias, mas também aconteceu ficar até 38 dias, devido ao mau tempo no mar, que volta e meia impede o desembarque dos dois vigilantes da natureza e dos três elementos da Autoridade Marítima Nacional destacados em permanência na reserva natural, formada por duas ilhas, vários ilhéus e uma imensidão de mar.
"As tempestades em terra não são tão frequentes e o vento também é menos intenso. A ilha é redonda [a Selvagem Grande, onde se encontra a estação de vigilância permanente], é mais a sul e não é muito alta, mas quando chove até é porreiro, porque enche as cisternas", explica, reforçando: "É uma ilha a meio do oceano, mas é um deserto. A vegetação é rasteira, são herbáceas, secam no verão, os arbustos são rasteiros, não tem árvores."
Isamberto Silva, de 58 anos, diz que não lhe custa esse tempo de isolamento e solidão em lugar remoto, mesmo que seja no Natal, no dia do aniversário ou na passagem de ano, como aconteceu da última vez.
"Isso passa. Eu não ligo muito a essas coisas. Chego lá e arranjo sempre coisas para fazer", conta. E, satisfeito, acrescenta: "É por isso que já descobri muitas espécies novas para a ciência."
A aranha Hogna isambertoi, a planta Musschia isambertoi, o escaravelho Torneuma isambertoi e o caracol Leptaxis isambertoi são exemplos de espécies descobertas pelo vigilante da natureza em reservas no arquipélago da Madeira e confirmadas pela ciência.
"Tenho muitas histórias para contar das Selvagens", diz, explicando que algumas até são assustadoras, como a vez em que foi apanhado por uma violenta tempestade no topo da ilha, ou quando apareceu na baía uma embarcação suspeita e os vigilantes, a certa altura, tiveram de fugir por uma questão de segurança.
"Levámos uns enlatados e água. Não sabíamos se estavam armados. Ficaram um bocado, mas depois foram embora", conta, lembrando que, naquela altura, a Autoridade Marítima ainda não estava instalada na reserva e todo o trabalho era assegurado apenas por dois vigilantes.
Nas Selvagens, a função dos vigilantes da natureza -- carreira da função pública integrada no Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, organismo do governo madeirense que tutela a reserva -- é de fiscalização, agora com apoio da Marinha, de monitorização das espécies da fauna e da flora e de auxílio nos trabalhos científicos orientados por investigadores.
"Também damos apoio às atividades marítimo-turísticas e fazemos visitas nos trilhos do topo da ilha", refere. A pesca ilegal na reserva diminuiu significativamente desde que a Autoridade Marítima Nacional colocou ali elementos em permanência e também a partir do momento em que se constatou que a alga ciguatera liberta uma toxina inofensiva para os peixes, mas prejudicial para quem os consome.
"De certa forma, essa alga está a ajudar a proteger a reserva", afirma, com um sorriso.
Em fevereiro de 2022, o parlamento da Madeira aprovou o novo regime jurídico das Selvagens, o território português mais a sul, e impôs o alargamento da reserva marinha de 92 para 2.677 quilómetros quadrados, com proteção total.
Em toda esta área é agora proibida a pesca e qualquer outra atividade extrativa.
A iniciativa será apresentada pelo Governo Regional na Conferência dos Oceanos da Organização das Nações Unidas, que decorre em Lisboa de 27 de junho a 01 de julho, como "exemplo mundial" ao nível das políticas de conservação da natureza, área onde homens como Isamberto Silva desempenham um papel fundamental.