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Vitória de Petro na Colômbia prova alastrar de movimento anti-sistema

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Foto EPA

A vitória de Gustavo Petro nas presidenciais na Colômbia espelha o alastrar de um movimento anti-sistema que está a varrer a América Latina e que pode até unir vários países da região, apontaram analistas ouvidos esta segunda-feira pela Lusa.

Gustavo Petro foi eleito no domingo e irá tornar-se o primeiro Presidente de esquerda na história da Colômbia, ao ter obtido 50,47% dos votos na segunda volta das eleições, de acordo com os resultados oficiais.

Petro, um economista de 62 anos, sucederá ao Presidente Iván Duque a partir de 07 de agosto e governará até 2026, prometendo alargar programas sociais e aumentar os impostos para os mais ricos, para recuperar uma economia muito fragilizada, naquela que é a terceira maior nação da América Latina.

"Petro venceu a direita sem radicalismos, sem apelar a programas de nacionalizações. Mas, ainda assim, assegurando que vai realizar profundas transformações económicas, nomeadamente no plano fiscal", disse à Lusa Sofia Fontana, investigadora na Universidade de Salamanca, onde está a terminar uma tese de doutoramento sobre a nova configuração política da América Latina.

Para esta académica, a vitória de Petro insere-se nos "ventos de mudança que estão a varrer" vários países da América Latina, depois de no passado ano líderes de esquerda terem vencido eleições no Chile, Peru e Honduras.

"Petro beneficiou em grande parte do eleitorado jovem, que não aceita o elevado nível de desemprego e os baixos rendimentos que aufere, apesar de ser considerada a mais qualificada geração na história do país", explicou Sofia Fontana, referindo-se ao peso significativo que teve nestas eleições presidenciais a questão económica.

Com a inflação a atingir o patamar dos dois dígitos e com a taxa de desemprego jovem a superar os 20%, muitos jovens identificaram-se com o discurso de Petro, prometendo uma recuperação da economia que ressuscite a classe média.

Nesse sentido, a voz de Petro junta-se à de outros países na América Latina, que procuram novos rumos políticos, mais encostados à esquerda, que poderão tentar entender-se entre si.

"Tal como na anterior vaga de governos de esquerda nos países da América Latina, temos uma pluralidade clara, muito marcada pelas idiossincrasias de cada Estado. Pondo de parte a esquerda autoritária - que governa a Venezuela, a Nicarágua e Cuba - conseguimos perceber que pode haver alguma coincidência entre o exercício de poder de Boric no Chile, Petro na Colômbia e até López Obrador no México", disse à Lusa Filipe Vasconcelos Romão, professor de Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa.

Contudo, estes países vivem situações diferentes e precisam de respostas políticas distintas, reconhece o investigador.

"Castillo no Peru é um caso à parte: o seu discurso é marcado por algum radicalismo de esquerda no domínio económico, mas no domínio dos valores morais assume um conservadorismo que tem pouco que ver com a esquerda de outros países", esclareceu Vasconcelos Romão.

Mas o novo Presidente colombiano vai ter de lutar contra um outro poderoso e difícil problema endémico no país: a pobreza.

"Quatro em cada dez colombianos vive em situação de pobreza. Petro conhece bem essa realidade, sobretudo quando fez parte do movimento M-19", afirmou Sofia Fontana, referindo-se a um movimento de guerrilha urbano nascido nos anos 70 -- que procurava o poder através da violência, em nome da promoção de justiça social - e que mais tarde se transformou num partido político que ajudou a reescrever a constituição da Colômbia.

Petro entrou para o M-19 aos 17 anos, quando era estudante de Economia, e em recentes entrevistas tem dito que, nessa altura, ficou muito impressionado com a pobreza a que assistiu nos bairros dos arredores de Bogotá.

"Mas esse mesmo estudante que participou num movimento guerrilheiro parece ter aprendido que a estratégia de nacionalização da economia não é a melhor estratégia para tirar o país da estagnação financeira em que está mergulhado", referiu a investigadora.

À Lusa, Sofia Fontana salientou ainda o facto de o futuro Presidente colombiano pretender fazer pontes com diversos tipos de regimes políticos nas Américas, renegociando acordos comerciais com os Estados Unidos, ao mesmo tempo que tenta restabelecer relações diplomáticas com a Venezuela de Nicolás Maduro.

"Petro pertence à 'velha guarda' da esquerda latino-americana, mas é sensível aos grandes temas da nova esquerda sul-americana, nomeadamente a 'política de género' que quer resolver as questões com a população indígena e que não esquece os graves problemas de migrações", prosseguiu a académica.

"Mas Petro tem, antes de cumprir a sua 'agenda de esquerda', de dar sinais aos investidores estrangeiros, garantindo-lhes que não vai entrar em programas utópicos e demasiado ambiciosos. Ele tem de provar que os tempos de guerrilheiro, em que prometia subverter todo o sistema, ficaram para trás", frisou.

Filipe Vasconcelos Romão corrobora que Petro vem da "velha esquerda latino americana", destacando, porém, que o político "soube ler as mudanças do seu país e do mundo" nesta que foi a sua terceira candidatura presidencial.

"A comprová-lo está a escolha de Francia Márquez como candidata a vice-Presidente. Márquez é uma afrodescendente, com origem numa das regiões mais pobres da Colômbia. Trabalhou em minas de ouro artesanais e foi empregada doméstica, o que nos dá uma perspetiva sobre o seu percurso. Se tivermos em conta que a elite política colombiana é constituída sobretudo por homens com recursos económicos, o seu percurso é ainda mais surpreendente", destacou o investigador.

Para vários analistas, esta preocupação com os investidores não é incompatível com o programa inclusivo de Petro, nem com as reformas das pensões ou mesmo com o aumento dos impostos para os mais ricos.

Numa recente intervenção pública, em Madrid, o escritor peruano Mario Vargas Llosa confessou que espera que a Colômbia "não caia na zona de incerteza em que toda a América tem mergulhado".

As semelhanças com as transformações que têm ocorrido no Chile ou no Peru são, para vários analistas, uma ameaça e um desafio para Gustavo Petro, que terá de evitar o desapontamento de não cumprir promessas, apesar dos seus alertas em campanha eleitoral para os "obstáculos estruturais" que herdou politicamente.

Um desses obstáculos é a profunda divisão no congresso, onde têm assento uma dúzia de partidos que tradicionalmente revelam grande dificuldade em se entender.

"Não podemos ter duas Colômbias. Temos de ter uma Colômbia unida", disse Petro, na noite eleitoral, referindo-se à estreita margem da sua vitória, mas também deixando um recado para os congressistas, de quem teme uma severa oposição a várias das suas reformas.

"A sua estratégia para colar as pontas soltas parece ser formar um Governo com diferentes sensibilidades políticas, incluindo um ministro das Finanças moderado, bem como figuras do anterior regime, como Jose Antonio Ocampo", explicou Sofia Fontana.

Em tom de conclusão, Vasconcelos Romão salienta ainda duas ideias que, caso o discurso do candidato corresponda à ação do Presidente, indiciam uma mudança no paradigma político na Colômbia: "A garantia dada por Petro de que não haverá uma rutura no modelo económico colombiano, mas uma preocupação com uma melhor distribuição da riqueza (o que faz prever medidas de cariz social-democrata); e as preocupações ambientais, durante muito tempo ausentes no discurso político da maior parte dos Estados latino-americanos e que parecem estar a ganhar peso".