A medalha que faltava
No passado dia 27 de Março, já o ocaso do sol tinha dado lugar ao crepúsculo nocturno, o infortúnio bateu-nos à porta, mesmo sem ser convidado.
Minha mãe, já com 86 anos e com elevados sintomas de Alzheimer, contrariando as nossas recomendações, decidiu se levantar do sofá onde eu a tinha acomodado para ver o Telejornal na RTP-Madeira, mesmo antes do mesmo terminar, para ir beber café. Desequilibrou-se, caindo desamparada no chão, mesmo à entrada da cozinha.
Logo dei conta da gravidade da situação, ligando de imediato para as minhas irmãs e para o 112, a fim de providenciarem o envio urgente de uma ambulância para a transportar às Urgências.
Depois de examinada e radiografada, concluíram que tinha facturado o Colo-do-Fémur. Foi internada no 6.º Piso, Serviço de Ortopedia, lado Nascente.
Na quarta-feira seguinte, dia 30, foi operada. Graças a Deus, tudo correu dentro da normalidade para estes casos.
Lá permaneceu internada até o dia 12 de Abril. Para ser sincero, não tenho a mínima razão de queixa relativa ao atendimento ou ao profissionalismo por parte de quem ali trabalha, dando o melhor de si em prol do bem-estar dos doentes, tentando minorar o sofrimento dos mesmos.
A todos, principalmente aos Enfermeiros e Assistentes Operacionais do Serviço, o nosso MUITO OBRIGADO.
As preocupações se agravaram quando comunicaram a uma das minhas irmãs que, ou conseguíamos vaga num Lar no Funchal ou então a minha mãe seria transferida para o Lar da Santa Casa da Misericórdia de São Vicente, baseando essa "escolha" no facto de o mesmo possuir Serviço de Fisioterapia.
Aí a campainha começou a tocar. A minha irmã, a mesma a quem tinham dado a má nova, bateu o pé e contrariou essa intenção.
Depois de muito trabalho de "safa" lá se conseguiu que fosse transferida e internada na Unidade Dr. João de Almada, dando cumprimento àquele que era o desejo da família.
É óbvio que o Alzheimer dá muito trabalho e exige redobrados cuidados, uma contínua e permanente atenção. Não é por acaso que o Serviço Nacional de Saúde deve se manter público e não cair nas ávidas mãos do privado.
Foram tempos difíceis. O estado psico-mental da minha mãe não ajudava, nem permitia que ela entendesse o motivo para o seu internamento e o que obstava o regresso ao seu "ninho", casa onde habita há já 64 anos e onde adora cuidar das suas flores.
Com amor, carinho e a visita assídua e diária, principalmente durante o período do almoço e do jantar, tanto da minha parte, como das minhas irmãs, sobrinhas e cunhados, lá se foi colmatando a sua ansiedade. O pior era na hora de nos despedirmos... Aí o drama era uma constante.
Era cada vez mais notória a sua tristeza. Nem era tanto a doença que a atormentava ou a sua incapacidade motora, mas a impossibilidade de satisfazer a sua vontade férrea em vir para casa, sua mente, não deslumbrava qualquer explicação plausível para tal.
Felizmente lá esse dia chegou. Foi já no final da tarde deste último Domingo, dia 12 de Junho, que o regresso com que sonhava a minha mãe se tornou uma feliz realidade, um sonho partilhado por toda a família, dando por terminada uma estadia de precisamente dois meses no Dr. João de Almada.
Ao chegar a casa, notamos logo a diferença do seu estado de espírito. A sua alegria e satisfação estavam bem patentes no seu rosto. A tristeza foi deixada para trás.
Logo reparou nalgumas pequenas alterações efectuadas durante a sua "ausência".
Bem, depois de toda esta lenga-lenga vamos ao que, em boa verdade, me levou a escrever esta carta.
O remorso pesava na minha consciência e não me deixava em paz.
O surto de COVID-19 que ultimamente atingiu a Unidade Dr. João de Almada, impediu a entrada a visitantes nos últimos quatro dias em que minha mãe lá esteve internada. Isso inviabilizou que me despedisse como pretendia e manifestasse todo o meu apreço e gratidão pelo profissionalismo, dedicação, afecto e, acima de tudo, pelo humanismo demonstrado no exercício de tão nobre função, tanto pelo pessoal de Enfermagem, como pelos Assistentes Operacionais da Ala Poente do 1.º Piso da Unidade Dr. João de Almada, aos quais alio os Técnicos da Fisioterapia, a quem não tive o prazer de conhecer.
Que brio e dedicação. Bem hajam.
Da nossa parte, minha e das minhas irmãs, o nosso MUITO OBRIGADO a todos vós, gente simpática, prestável e competente.
Vocês sim. São os verdadeiros merecedores das medalhas que o Sr. Presidente a República e o seu "imitador" cá na Região igualmente pratica, ofertando de mão beijada a gente que faz das suas acções públicas o principal impulso que lhes dá visibilidade, enquanto gente anónima, trabalhadora, desvalorizada e mal paga, passa ignorada e despercebida. Esses sim, são os verdadeiros heróis. No entanto, as medalhas vão para... os chefes-de-fila.
Quero aqui também agradecer à Senhora Virgínia, improvável companheira de enfermaria da minha mãe, durante mais de um mês. Senhora idosa, mas muito lúcida, simpática, bem-disposta e sempre com um gesto ou palavra reconfortante para connosco e com a minha mãe. Foi um importante elo de ligação entre nós e o pessoal da casa. Rápidas melhoras. Para si também, o nosso... MUITO OBRIGADO.
Finalmente quero aqui deixar um apelo. Cuidem dos vossos velhinhos, não os abandonem.
José Carlos Rodrigues Ferreira