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Grupos de causa e sindicatos são os mais ouvidos pelo parlamento

Foto Arquivo/Pedro Rocha/Global Imagens
Foto Arquivo/Pedro Rocha/Global Imagens

Os "grupos de causa" e os sindicatos são quem mais é ouvido pela Assembleia da República, tanto a seu pedido como por iniciativa dos deputados, sobretudo sobre matérias laborais, aponta um estudo hoje divulgado.

Coordenado pelo investigador Marco Lisi, o estudo "Os Grupos de Interesse no Sistema Político Português", analisa a ação dos grupos de interesse em Portugal, a sua visibilidade na comunicação social e papel no processo legislativo, e é apresentado hoje às 09:00 num evento digital no sítio da internet da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

"Os grupos de causa são os que mais pedem para falar com o parlamento (32%), seguidos pelos sindicatos (24,2%), pelas associações profissionais (cerca de 14%) e pelas associações empresariais (aproximadamente, 11%)", havendo pouca mobilização dos grupos religiosos para serem recebidos em audiência, aponta o resumo do estudo, ao qual a Lusa teve acesso.

Entre os designados grupos de causa encontram-se, por exemplo, associações ambientalistas ou de defesa do consumidor.

"Relativamente às audições, os grupos mais convocados pelo parlamento são os sindicatos e os grupos de causa (cada um com 17,2%). As associações empresariais (14,3%) têm uma maior presença quando é o parlamento a convocar entidades. Uma nota para os baixos números relativos aos profissionais do lóbi, isto é, agências de relações públicas ou 'advocacy' (0,1% no caso das audições; e também das audiências), e para a forte presença dos peticionários e dos especialistas (19,7% e 9,4%, respetivamente)", revela também o estudo.

Relativamente aos assuntos associados à ação dos grupos de interesse nas atividades das comissões parlamentares, nas audiências a mobilização das organizações está "fortemente concentrada" nos assuntos trabalho, educação, saúde, agricultura, assuntos económicos, comércio e banca, políticas sociais, assuntos governamentais e relações externas.

Sobre as audições, as questões de trabalho ocupam novamente um lugar de destaque, seguidas de comércio e banca, educação, justiça e crime e assuntos governamentais.

"Importa notar que algumas questões estão ausentes na participação dos grupos, tais como comércio externo, Imigração e, talvez o dado mais surpreendente, energia, que representam menos de 1%, respetivamente", assinala-se no estudo.

Além das comissões, a intervenção dos grupos na arena legislativa passa pela intervenção junto dos partidos ao nível coletivo, através dos grupos parlamentares, ou ao nível individual dos deputados.

Contudo, "esta mediação não está regulamentada, pelo que é difícil de examinar através de dados sistemáticos", sublinha a investigação, assinalando que a "problemática da transparência e do lóbi no debate parlamentar emergiu apenas a partir da XII Legislatura (2011--2015)", sem que aquela atividade tenha ainda sido regulamentada, tendo falhado um consenso na última legislatura, interrompida pela convocação de eleições antecipadas.

Nesta investigação parte-se da definição de grupos de interesse como "associações ou organizações de indivíduos que partilham as mesmas preocupações, e que se mobilizam para promover e defender os seus interesses na arena político-institucional e no processo de decisão pública".

Ainda sobre o papel dos grupos de interesse no processo legislativo, a investigação considerou quatro leis aprovadas durante a XIII Legislatura (2015--2019): a lei sobre sindicalização das forças policiais, a gratuidade dos manuais escolares, a revisão da lei sobre procriação medicamente assistida (PMA), e a lei sobre as tarifas reguladas no mercado da energia.

Não sendo possível reconstruir "todos os detalhes da intervenção dos grupos no processo legislativo", o estudo destaca que o "impacto dos grupos na arena parlamentar foi limitado, mas não insignificante" e, "no caso da PMA e da energia, não houve alterações relevantes em sede parlamentar, e vários grupos não intervieram no processo, apesar de serem potencialmente afetados", assumindo "um papel de espetadores".

"No entanto, no caso da sindicalização das forças policiais, a mobilização dos grupos contribuiu para alterar a questão (polémica) da liberdade de expressão, ou da chamada 'lei da rolha', relativa às proibições de manifestação e opiniões por parte dos agentes policiais", salienta-se.

Neste caso, "muitos dos grupos envolvidos nos processos legislativos posicionaram-se como apoiantes, isto é, acabaram por defender as orientações da maioria parlamentar que propôs a mudança legislativa", sendo que "as entrevistas aos deputados confirmam o uso estratégico que por vezes se faz da participação dos interesses organizados nas audições, chamando a prestar testemunhos ou pedindo pareceres a organizações que partilham uma visão próxima ou idêntica à do governo ou do partido ao qual pertencem", salienta o estudo.

Muitas organizações que se apresentam como espetadoras acabaram por se mobilizar" quando a decisão lhes é desfavorável, tentando influenciá-la noutra arena institucional", como por exemplo, alguns "grupos de causa contrários à lei sobre PMA mobilizaram-se junto do Presidente da República para pedir a inconstitucionalidade da lei".