Parlamento é "alvo fundamental" de grupos de interesse apesar de considerarem Governo mais importante
O parlamento é considerado secundário face ao Governo como objeto de influência dos grupos de interesse, mas é um "alvo fundamental da estratégia" daquelas associações, pelo acesso fácil e importância na produção legislativa, revela um estudo hoje apresentado.
Coordenado pelo investigador Marco Lisi, o estudo "Os Grupos de Interesse no Sistema Político Português", analisa a ação dos grupos de interesse em Portugal, a sua visibilidade na comunicação social e papel no processo legislativo, e é apresentado hoje às 09h00 num evento digital no sítio da Internet da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
"Na ótica dos grupos de interesse, a arena parlamentar é considerada secundária em comparação com a arena governamental. Contudo, apresenta vários pontos e modalidades de acesso para os interesses organizados, constituindo por isso um alvo fundamental da estratégia dos grupos para influenciar o processo legislativo", lê-se no resumo do estudo, a que a agência Lusa teve acesso.
Neste ponto, os grupos de interesse estão alinhados com a perceção dos cidadãos, que, quando questionados sobre quais são as instituições que os grupos de interesse mais procuram influenciar, indicam que "o Governo é claramente percecionado como o ator mais relevante (28%)".
"Duas razões explicam a importância da arena parlamentar na ação dos grupos de interesse. A primeira é que a Assembleia da República (AR) desempenha um papel extremamente relevante na produção legislativa. Apesar de o Governo ter centralizado um crescente poder na feitura das leis, o parlamento permanece um ator central no processo legislativo", avança-se no estudo.
"A segunda razão é que a Assembleia da República constitui um ponto de acesso relativamente fácil para os grupos de interesse e apresenta diversos canais e instrumentos que as organizações podem utilizar para intervir no processo legislativo", adianta-se ainda.
O estudo conclui que "o sistema político português oferece múltiplos pontos de acesso aos grupos de interesse", mas "evolução do regime democrático tem evidenciado uma crescente concentração de poder no executivo, que, por sua vez, tem revelado uma capacidade cada vez maior de influenciar o processo legislativo".
"No entanto, uma lição importante a retirar deste estudo é que os grupos de interesse assumem um papel relevante no reequilíbrio desta assimetria institucional", defende-se.
Esse papel resulta do envolvimento e participação no processo legislativo, "mas também pelo escrutínio que fazem das decisões do Governo, nomeadamente atuando através dos meios de comunicação social ou encontrando outros canais institucionais (como o Presidente da República, os tribunais, etc.) para representar as suas preferências e reivindicações junto dos governantes".
Contudo, alerta-se no estudo, "a função de controlo do Governo exercida pelos grupos de interesse é limitada devido à opacidade das práticas de lóbi junto dos decisores políticos".
"De facto, não conhecemos as interações entre os membros do Governo e os grupos de interesse, embora saibamos que predominam as interações informais na arena institucional. Isto limita a capacidade de escrutínio dos principais atores políticos por parte dos grupos e da opinião pública relativamente ao processo de decisão", sustenta a investigação.
O estudo sublinha ainda que "acresce a este problema a questão relevante do conflito de interesses, nomeadamente a existência de uma proporção considerável de deputados que trabalham simultaneamente em sociedades de advogados e que podem, no âmbito da sua atividade privada, representar clientes cujos objetivos são contrários ao interesse público".
"Os grupos de interesse desempenham um papel de monta no processo legislativo e acabam por ser um canal de influência de interesses invisíveis. A falta de mecanismos eficazes que implementem princípios de pegada legislativa agrava este problema", aponta o estudo.