“Estamos inteiros”
Imagine uma criança de sete anos a brincar com uma bola numa praça, numa tarde de sol e um repórter a perguntar-lhe “como te sentes?”. A resposta que a criança lhe deu, com um grande sorriso foi: “Estamos inteiros e felizes”. A criança tinha chegado, com a família, a Odessa, na Ucrânia, depois de conseguirem sair de Mariupol onde tinham assistido aos bombardeamentos da cidade e passado a privação de água e de alimentos que todos conhecemos a partir dos noticiários, por isso a importância de estarem inteiros.
Escolhi o “estamos inteiros” para título desta coluna, mas podia ter escolhido: “agora sou uma sem-abrigo” como dizia uma idosa ao ser retirada da sua aldeia, apontando para a sua casa destruída por um míssil russo enquanto dizia para a jornalista: “nós, aqui, vivíamos bem e éramos felizes… agora não sei o que vai ser de mim”… ou tantas outras frases e situações que ao longo destes 4 meses de invasão nos têm feito refletir sobre as barbaridades que Putin tem infligido a habitantes de um país soberano.
As cidades destruídas, os crimes cometidos pelas tropas russas, tudo nos mostra que a humanidade ainda está muito longe do estado civilizacional onde o direito internacional é reconhecido e os mais fracos não têm de recear a força dos mais fortes… ainda estamos muito longe de uma civilização de Paz e Harmonia.
A guerra vai continuar e eu compreendo que continue e que seja cada vez mais difícil terminar porque a Federação Russa não vai sair da Ucrânia nem parar com as barbaridades que tem cometido e os ucranianos vão ter cada vez mais razões para não quererem ver roubado parte do seu território onde tantos têm morrido para o defender… pense o leitor como se sentiria se tivesse um familiar ou amigo que morreu a defender parte do seu país e depois essa parte fosse cedida pelos políticos a quem a tinha invadido?
Estamos em tempo de guerra e os tempos de guerra são difíceis para todos. Não acredito que haja muitos indivíduos no planeta que não sejam afetados por esta guerra e, também, não acredito que os Governos sejam capazes de evitar que os cidadãos não sintam os efeitos económicos da guerra.
O processo de globalização, que permitia termos acesso a produtos aos preços mais baratos, terminou. Agora a preocupação não é mais o preço barato, mas passou a ser não ficarmos na dependência de regimes que podem aproveitar os ganhos que nós lhes proporcionamos para nos atacarem ou atacarem outros dos quais somos aliados.
Para nós a questão não é estar inteiro amanhã, nem mesmo, para muitos, será passar fome (como, infelizmente, já passavam alguns mesmo em tempos de paz), mas quanto iremos viver pior devido a uma invasão sem sentido e quanto devemos ser empáticos para que aqueles que celebram estar inteiros tenham o direito a ser e a estar felizes como todos merecemos.