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Franceses votam no domingo com possibilidade de coabitação em pano de fundo

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Os eleitores franceses deslocam-se no domingo às urnas para votar na segunda volta das eleições legislativas, com a possibilidade de imporem uma coabitação ao Presidente da República, Emmanuel Macron, algo que não acontece desde 2002.

Depois de, na primeira volta das eleições presidenciais francesas, a coligação de esquerda Nova União Popular Ecológica e Social (NUPES) e a coligação presidencial Juntos! (Ensemble!, em francês) terem ficado separadas por cerca de 20 mil votos, Macron tem repetido os apelos a um "sobressalto republicano" nesta segunda volta.

"Nada seria pior do que perdermo-nos no imobilismo, nos bloqueios e nas posturas", sublinhou Macron na terça-feira na pista do aeroporto de Orly, pedindo uma "maioria sólida", antes de partir para uma deslocação de três dias que o levou à Roménia, à Moldova e à Ucrânia.

Macron alertava assim para um cenário de coabitação que, no sistema semipresidencial francês, designa os casos em que o Presidente da República e o governo derivam de duas forças políticas diferentes.

Nesses cenários, o Presidente perde a sua centralidade no sistema político, tendo em conta que a Constituição francesa estabelece, no artigo 20.º, que cabe ao "Governo determinar e conduzir a política da Nação".

Macron poderia assim propor referendos ou dissolver a Assembleia Nacional, mas os seus poderes passariam a ficar sobretudo limitados às suas "áreas exclusivas": a defesa, enquanto "Chefe das Forças Armadas" e detentor das armas nucleares; e a diplomacia, enquanto única entidade que pode negociar e ratificar tratados internacionais em nome da França.

No entanto, desde que, em 2001, o calendário eleitoral francês foi invertido -- em vez de as eleições legislativas serem organizadas em março, antes das presidenciais, passaram a ser organizadas em junho, dois meses depois --, nunca nenhum Presidente da República francês teve de lidar com um Governo de outra força política, obtendo sempre a maioria absoluta.

A Assembleia Nacional passou assim a 'vergar-se' à política do chefe de Estado -- que controla a maioria -- e o primeiro-ministro a ser um "colaborador" do Eliseu, como o qualificou o ex-presidente Nicolas Sarkozy.

Agora, depois de o líder da coligação de esquerda NUPES, Jean-Luc Mélenchon, ter apresentado estas eleições como a "terceira volta" das presidenciais e a possibilidade de eleger o futuro primeiro-ministro -- apesar de este ser nomeado pelo chefe do Estado --, o cenário de uma eventual coabitação regressou à vida política francesa.

No total, desde o início da Quinta República, em 1958, existiram apenas três coabitações: entre 1986 e 1988, entre 1993 e 1995, e entre 1997 e 2002.

A primeira coabitação da Quinta República ocorreu em 1986, quando o então Presidente socialista François Mitterrand deu posse ao Governo de Jacques Chirac, do partido de centro-direita RPR, que tinha vencido as eleições legislativas desse ano com maioria absoluta.

Nessa época, Chirac escolheu todos os ministros do seu Governo, apesar de Mitterrand ter exigido que a sua opinião fosse tida em conta nas pastas que dependiam da sua área exclusiva, designadamente a Defesa e os Negócios Estrangeiros.

Em 1993, o cenário repetiu-se: com Mitterrand ainda como Presidente -- foi o chefe de Estado francês que ficou mais tempo no palácio do Eliseu, entre 1981 e 1995 --, o RPR ganha as legislativas, com 84% dos deputados, e Édouard Balladur é nomeado primeiro-ministro.

Nesta coabitação -- que, anos mais tarde, Balladur considerou pacífica --, houve, no entanto, um grande momento de tensão, que se prendeu com a retoma dos testes nucleares: pacifista, Mitterrand tinha suspendido definitivamente esses testes em 1992, com o primeiro-ministro a pretender retomá-los no Pacífico, o que foi rejeitado pelo Presidente.

Em 1997, o cenário inverteu-se: depois de Jacques Chirac, na altura Presidente, ter dissolvido a Assembleia Nacional, coube à esquerda impor uma coabitação ao palácio do Eliseu, com Lionel Jospin a ser nomeado primeiro-ministro, encabeçando uma "coligação de esquerdas".

Vinte anos depois do fim dessa coabitação, a NUPES volta a sonhar com um cenário de força na Assembleia Nacional para contrariar o poder de Emmanuel Macron.

Em declarações à agência Lusa, a porta-voz do Partido Socialista francês, Dieynaba Diop, relembrou a vitória da esquerda em 1997 para mostrar que, no que se refere à segunda volta das legislativas este domingo, "tudo é possível".

"Nada está escrito. Se olharmos para as sondagens de 1997, todas mostravam que a esquerda ia perder. No entanto, no dia a seguir à segunda volta, Lionel Jospin tornava-se primeiro-ministro. Por isso, acho que é preciso dizer aos eleitores que são eles que têm a chave do escrutínio", sublinhou.

A segunda volta das eleições legislativas disputa-se este domingo.