Garantir o bom uso do dinheiro público? Ainda não.
Fica também claro que as verbas são transferidas sem a exigência ou verificação dos documentos comprovativos das despesas, e que não há uma verificação física da execução dos investimentos financiados pelo Instituto de Segurança Social
Foi em março que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propôs a constituição de uma comissão de acompanhamento à execução dos contratos-programa, acordos e protocolos celebrados entre o Governo Regional e as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e Casas do Povo na medida em que estas instituições gerem uma parte muito significativa do dinheiro público. Na altura, a proposta foi vetada pela maioria PSD/CDS e chegou a ser afirmado que o problema do PS era o de não perceber quem fiscaliza «quem e o quê».
Em maio, o relatório da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas à atribuição de subsídios às IPSS, entre 2016 e 2018, no valor de 65 milhões de euros, veio a demonstrar que os receios do PS-Madeira tinham fundamento e que tanto o PSD quanto o CDS sobrevalorizaram os processos próprios de fiscalização do Instituto de Segurança Social da Madeira. Aliás, o relatório demonstra que o Governo Regional, através do Instituto de Segurança Social, também não compreende cabalmente quem fiscaliza quem e o quê, porque se há conclusão que se repete ao longo do relatório emitido pelo Tribunal de Contas é exatamente a de que praticamente não existe um sistema de controlo interno que seja fiável e que garanta o bom uso do dinheiro público; do relatório também sobressai o facto de que os critérios para atribuição dos apoios são arbitrários – e que mesmo os que estão estabelecidos não são tidos em conta pelo Instituto quando renova os protocolos. Fica também claro que as verbas são transferidas sem a exigência ou verificação dos documentos comprovativos das despesas, e que não há uma verificação física da execução dos investimentos financiados pelo Instituto de Segurança Social, nem controlo em relação dos documentos que comprovam as despesas comparticipadas.
Por todas estas razões foi requerida uma audição à Presidente do Instituto de Segurança Social da Madeira, que aconteceu no passado dia 3 de junho. A Sra. Presidente apontou a falta de verbas, de recursos humanos e um sistema informático mais ágil como sendo as principais causas para tantas falhas em todo o processo. Contudo, uma leitura atenta ao relatório demonstra que esta argumentação não é suficiente para justificar os problemas apontados.
Por exemplo, entre 2016 e 2018, foram atribuídos mais de 36,8 milhões de euros através de acordos atípicos e apenas 9,4 milhões de euros respeitando acordos típicos. Qual a diferença entre ambos? Os acordos típicos pressupõem um valor de financiamento padronizado face à despesa de funcionamento que a resposta social exige. Já os acordos atípicos pressupõem uma alteração dos critérios padronizados. A Sra. Presidente do Instituto defendeu que os acordos atípicos permitem poupar dinheiro e trabalho, no entanto, não explicou como nem em que medida isso acontece.
Mas o facto é que são os acordos atípicos, que são a norma na Região, que fazem com que, para uma mesma resposta, tenhamos financiamentos substancialmente diferentes sem que a diferença esteja cabalmente justificada, conforme aponta o relatório com o seguinte exemplo: ao lar do Porto da Cruz, gerido pela Causa Social, o Instituto de Segurança Social paga 1.658,77 euros por cada utente, ao passo que à Santa Casa da Misericórdia da Calheta paga 1.098,14 euros. É uma diferença de 560,63 euros por utente entre uma instituição e outra, um diferencial de 51%. O relatório refere o facto de o Instituto não ter conseguido sustentar, através de alguma avaliação que tenha de facto realizado, os argumentos que procuram explicar tal diferença.
Certo é que o problema não está apenas nos termos em que são celebrados os acordos, mas também no que diz respeito ao acompanhamento da sua execução. O relatório reporta a falta de mecanismos de controlo nos acordos que envolvem comparticipação em função do número de utentes que as instituições recebem; em alguns casos, a Segurança Social da Madeira limita-se a comparticipar a capacidade máxima sem confirmar, através de mecanismos de controlo, a presença efetiva desse número de utentes.
As más práticas abrangem também os acordos que financiam exclusivamente despesas com pessoal, com investimentos ou com manutenção: é indicado no relatório que não é prática regular solicitar os comprovativos da aplicação dos apoios, nomeadamente os recibos de vencimento, as cópias das faturas referentes às obras ou à aquisição de bens e serviços. Na prática, não se verifica se as verbas são de facto usadas para os fins a que se destinam. E por isso, temos exemplos como o que é citado no relatório, o de uma Casa do Povo que recebeu apoio para a manutenção de uma carrinha que afinal estava inoperacional.
O que sobressai neste relatório é a falta de critérios transparentes, equitativos, rigorosos e normalizados, quer na elaboração quer na fiscalização da execução dos acordos que o Instituto de Segurança Social da Madeira manteve com diversas IPSS e Casas do Povo no período compreendido entre 2016 e 2018. Tendo em conta esta realidade, a primeira pergunta que foi colocada à responsável pelo Instituto foi se estava em condições para afirmar que um relatório similar a este, mas relativo ao período compreendido entre 2019 e março 2022, terá resultados diferentes, isto é, se entretanto foram implementadas medidas que corrigissem muitas das falhas e irregularidades identificadas no relatório. A responsável admitiu que, na eventualidade de haver uma auditoria semelhante, não está em condições de garantir que as falhas e irregularidades não voltam a ser apontadas, apesar de o Instituto já ter começado a implementar medidas que visam reduzir as más práticas.
No meio de tanta trapalhada, e apesar do argumento principal ser o de um suposto subfinanciamento do Instituto de Segurança Social da Madeira, Miguel Albuquerque garante que haverá (ainda) mais dinheiro para as Casas do Povo (anunciou-o no arraial que custou 50 mil euros), o que provavelmente implicará mais acordos «fora da caixa». Em contrapartida, há instituições que fazem trabalho fundamental, como é o caso da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo, que não têm sido apoiadas pelo Instituto de Segurança Social da Madeira. Prioridades.