Tempos remotos!
- No dealbar da Revolução dita dos cravos.
Já não era criança, nem adolescente. Um homenzinho feito, de casaco e gravata, como muitos outros da minha geração.
Alguns dessa época (infelizmente) partiram já para a sua última morada, outros embarcados e nunca mais vistos e ainda outros que por aí andam, prontinhos para as “curvas” não muito apertadas, como, aliás, a idade lhes recomenda.
Há também aqueles, cuja saúde lhes tem sido madrasta, ou, por uma ou outra razão, a vida não lhes tem sorrido de feição e vão percorrendo este caminho da vida como podem.
Mas, dizia eu, em pleno “palco da Revolução” estava conversando com um velho amigo e senhor, médico de profissão, já nessa longínqua época, aposentado, em pleno Largo do Chafariz, quando do lado da Rua de João de Tavira com provável destino para a Rua Dr. Fernão de Ornelas, surge um considerável grupo de pessoas numa (nessa época habitual) manifestação com a frase da ordem de “POVO UNIDO, NUNCA MAIS SERÁS VENCIDO”!
O médico, meu saudoso amigo, olhou para mim e disse: Tudo isto é muito bonito, parece muito significativo e encorajador, mas digo-lhe com a experiência de que já tenho, o seguinte:
Não vai ser para mim – a idade não perdoa – mas será, certamente, para o meu amigo, ver tudo isto como irá decorrer e, pior, como irá acabar!
Sempre fui médico, nunca me imiscuí na política, nunca defendi Salazar, nem o seu regime, mas nasci muito antes de 1926 e posso dizer-lhe que, em grande parte, deveu-se a estes comportamentos de rua e, pior ainda, a comportamentos deploráveis existentes no seio da Assembleia da República e fora dela e pela atuação desastrosa e irresponsável dos políticos de então, no governo e fora dele, o surgimento do “Golpe de Estado”, do Estado Novo e, consequentemente, da DITADURA.
Nesta hora de veemente condenarmos Salazar e seus comparsas pelo regime autoritário, por vezes implacável e desumano, não podemos esquecer também dos (IR) RESPONSÁVEIS que levaram a isso.
No meio desta manifestação vão certamente pessoas de bem e que na sua boa-fé pensam que este é o caminho certo que pode levar a uma profunda mudança de vida e a um futuro mais próspero, mais digno, num País mais livre, mais solidário, mais risonho e justo.
Só que, pode não acontecer, porque na frente desta manifestação podem (e devem) estar indivíduos ressabiados, ciosos de PODER e que para alcança-lo são capazes dos mais hediondos procedimentos, quer pessoais como políticos.
BENDITAS PALAVRAS de um homem vivido, experiente, culto, sabedor.
Ele próprio ainda chegou a ver o princípio do descalabro, depois faleceu e, como tinha previsto, cá fiquei eu para acompanhar o desenrolar dos oportunismos, dos golpismos, a ação de bandos de incompetentes e irresponsáveis (salvo algumas exceções) que têm levado o País aos dias de hoje que já nem o mais elementar e indispensável bem que um povo pode e deve ter (SAÚDE) está devidamente orientado e assegurado.
Tudo isto depois de PORTUGAL ter encontrado um TESOURO (entrada na CEE) que o encheu de dinheiro, algum oferecido, outro emprestado, mas sempre insuficiente para livrar o País da maior e mais desassombrada dívida externa e criar uma sociedade digna, equilibrada, evitando a pobreza que nos envergonha e milhares de famílias penduradas em dívidas sem saber como as pagar.
Mas, curiosamente, se repararem, antes de ABRIL 74 estavam ricos e eram poderosos os que diziam BEM de Salazar e do seu regime. Após ABRIL 74, tornaram-se ainda mais ricos (e em mais curto espaço de tempo) e mais poderosos (para não falar nas suas principescas reformas) os que disseram MAL de Salazar e do regime salazarista.
Que Deus tenha piedade de nós, nos ajude nestes (maus) tempos que se avizinham!
E quanto ao “POVO UNIDO NUNCA MAIS SERÁ VENCIDO “faleceu, oremos pela sua alma!
Juvenal Pereira