"Jardim botânico de microrganismos vivos" potencia novos produtos dos oceanos
No Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), uma espécie de "jardim botânico de microrganismos vivos" tem potenciado o desenvolvimento de novos produtos contra o cancro, malária e obesidade e para a cosmética e construção naval.
Foi há 31 anos, no âmbito do doutoramento do atual diretor do centro de investigação da Universidade do Porto, que as primeiras amostras foram recolhidas. À época, o foco eram cianobactérias de água doce, mas desde então a atenção redirecionou-se e a investigação tem flutuado em direção ao mar.
Entre os vários laboratórios que ocupam o primeiro e segundo piso do Terminal de Leixões, onde se situa o centro, duas arcas frigoríficas escondem, meticulosamente alinhadas em prateleiras, as coleções de cultivo de cianobactérias e microalgas, de onde já foram extraídos quase 2.000 compostos.
"São um repositório de diversidade", diz à Lusa o diretor do CIIMAR, Vítor Vasconcelos.
Os espécimes reunidos nesta "espécie de jardim botânico de microrganismos vivos" foram recolhidos maioritariamente na costa portuguesa, mas há também amostras provenientes de outras águas, como do Brasil, México, República Dominicana, Finlândia, Marrocos e Cabo Verde.
Antes de guardadas em arcas frigorificas, as amostras são expostas a diferentes meios e a sua evolução é acompanhada pelos investigadores, para que culminem num "composto isolado".
Nem todas ascendem a esse estágio, mas as que conseguem juntam-se à coleção e representam mais uma "oportunidade" para estudos de biodiversidade e de aplicações biotecnológicas, dos quais pode resultar o desenvolvimento de novos produtos com potencial clínico, cosmético ou industrial.
Se algumas moléculas obtidas a partir da coleção de micro-organismos estão neste momento a ser usadas em "tintas antivegetativas para navios e estruturas presentes no mar", outras estão a ser usadas para "reduzir a obesidade".
"Encontramos moléculas produzidas por estes organismos que diminuem a obesidade num organismo modelo que é o peixe-zebra. Faltam-nos os ensaios com ratinhos, para depois passarmos eventualmente à produção e comercialização de um produto destes", adiantou Vítor Vasconcelos.
O potencial dos organismos que compõem o 'biobanco' do CIIMAR não fica, no entanto, por aqui. Dele já resultaram seis patentes, tanto na área da saúde humana -- para o combate ao cancro e malária --, como na área da cosmética - com o desenvolvimento de protetores solares ou diminuidores de rugas, e na agricultura -- com a criação de novos bioestimulantes e fertilizantes.
"Esta coleção é de facto um manancial incrível e vai permitir alavancar a biotecnologia marinha a nível nacional", salientou o diretor do centro de investigação.
Além das seis patentes, que permitem ao centro proteger a propriedade intelectual das suas descobertas, a coleção de organismos já potenciou a criação de uma 'spin-off' que, desde o ano passado, tem apostado na nutracêutica, saúde humana e agricultura.
Ainda que estes organismos marinhos representem por si só uma "oportunidade", a mesma não seria possível sem o olhar atento e cuidado dos investigadores do centro.
João Morais é o responsável pela coleção e é a ele que cabe, diariamente, a missão de vigiar os compostos, mantidos em "condições 'standard' de temperatura e luminosidade".
"Temos uma temperatura mais baixa, por volta dos 19º graus Celsius, e também simulamos 12 horas de luz e 12 horas de noite, para que os organismos não cresçam tão rápido, nem exijam manutenção", disse.
Ao longo dos últimos dois anos, o centro conseguiu isolar cerca de "700 novas estirpes" e a procura incessante por novos compostos marinhos com "potencial" intensifica-se, ainda que o mar seja "caro", à semelhança da sua investigação e exploração.
"Ter uma fonte rica, como o biobanco, que possa ser rapidamente usada pelos investigadores e que sirva de acelerador, uma vez que não precisam de ir ao campo, é uma oportunidade", lembrou João Morais.