Crónicas

Likes e seguidores, as novas unidades de medida

Hoje em dia contrata-se pelo número de likes e escolhem-se pessoas pelos seguidores, deixando para segundo plano a qualidade profissional, os valores e a capacidade de trabalho

Aprendemos bem cedo na escola a estabelecer modelos para medir diferentes grandezas. O comprimento, altura e largura, a massa, o volume ou o tempo. Ainda me recordo de estar na cozinha da minha avó e de me entreter com uma balança antiga e já enferrujada, com pesos diferentes decalcados numa das faces a procurar o equilíbrio entre os dois braços. Passados 30 anos e tantas transformações pelo meio parece que o mundo se rege agora por novas unidades de medida. Nas redes sociais onde se vive uma vida paralela e muitas vezes desfocada da realidade o que realmente conta é o número de seguidores que se consegue angariar, sejam reais ou fictícios pouco importa e vai-se medindo o sucesso ou insucesso de uma pessoa (pessoal e profissional) através dos likes que cada fotografia ou comentário consegue despoletar.

Vivemos por isso a criação de um novo vício, com a complacência de todos, uns mais outros menos naturalmente, mas que se assume de forma tão dramática como outros e que sem darmos conta nos aprisiona psicologicamente a uma necessidade constante de procurar formas de desencadear mais e mais atenção. Chamam-lhe interações, essa nova forma de adição perfeitamente instalada na nossa sociedade e que vai aprisionando obsessivamente sobretudo os mais jovens, à criação e procura de novos conteúdos que possam despertar o interesse dos voyeurs do século XXI. Quanto mais chocante, mais estúpido ou mais despido melhor. São as idiossincrasias de uma forma de estar bipolar em que por um lado se incutem valores ecológicos, ambientais e sustentáveis, da igualdade de género e da normalização dos diferentes tipos de corpos e por outro se produzem conteúdos com a única e exclusiva intenção de provocar desejo como forma de caça ao like.

Não deixa de ser interessante de estudar os novos fenómenos sociais em que certas práticas que dávamos por adquiridas caíram num ápice em desuso e outras aparecem e se instalam de um momento para o outro. Já por aqui falei da nova moda dos coaches que ensinam as pessoas a viver melhor, a alcançar o sucesso em 10 passos e a moldar a nossa existência numa construção mais leve e saudável, gente que muitas vezes não pratica o que apregoa e que nada tem no seu currículo que as torne em modelos de sucesso. Neste caso são os influencers, a nova profissão que nos mostra quão mágico pode ser o mundo, que podemos viver felizes para sempre e que é uma estupidez gastarmos parte do nosso tempo a trabalhar quando podemos passar o ano a viajar para destinos idílicos e paradisíacos. Acho engraçado a quantidade de pessoas que passam parte do seu dia a viver a vida dos outros e a invejar tanta perfeição mas cada um sabe de si e longe de mim querer escolher ou determinar o que cada um faz ou deixa de fazer com o seu precioso tempo.

O que mais acho estranho e até injusto, no meio deste admirável mundo novo, é que tudo isto seja impulsionado por grande parte das marcas que se definem pela responsabilidade social e pelo trabalho que fazem em prol da comunidade. Hoje em dia contrata-se pelo número de likes e escolhem-se pessoas pelos seguidores, deixando para segundo plano a qualidade profissional, os valores e a capacidade de trabalho. Interessa é chegar a mais gente, é o alcance, dizem, o que não me choca muito numa época em que é mais importante o que se mostra ou o que se projecta do que aquilo que é na realidade. Vive-se mais para o que os outros pensam, para o que os outros veem e para o que nós queremos que eles vejam, do que propriamente para aproveitar os momentos.

Digo muitas vezes aos mais novos para fazerem mais tags ao vivo, mais likes ao ouvido e para teclarem mais com a boca. Não há nada melhor do que as relações entre pessoas que se gostam, o contacto físico e emocional. A presença, o toque, olhos nos olhos. Não sou nenhum velho do Restelo que vive alheado do mundo e das novas tecnologias mas encontrar um bom equilíbrio é fundamental. E não preciso de ser coach para o saber. Por isso, não deixo de registar que como em tudo também existem bons exemplos pelo meio. Vidas inspiradoras que importam ser divulgadas, estilos de vida e práticas mais orgânicas que podem ativar nos outros vontades que ajudam no crescimento pessoal e na própria realização, o alertar para situações de injustiça ou de violência que devem ser desmascaradas. A mensagem é a de conseguir retirar o melhor que estas novas plataformas nos podem trazer sem que isso se torne um vício, uma obsessão ou que se torne numa unidade de medida que castre as nossas dinâmicas e nos avalie de forma simplista e pouco verdadeira. A felicidade pode muito bem ser construída sem esta necessidade voraz e superficial de alimentarmos o nosso o ego.