"A Madeira está a crescer depressa demais"
André Barreto não está certo de que a Região ofereça actualmente 51 mil camas, isto porque "o Alojamento Local só conta se tiver mais de 10 camas"
Debate da Semana da TSF-Madeira é emitido todas as sextas-feiras, às 19 horas, com reposição aos sábados, depois do meio-dia.
O crescente número de turistas na Região foi tema de discussão no Debate da Semana emitido na antena da TSF-Madeira. O programa moderado por Leonel de Freitas contou, ontem, com o painel de economistas, nomeadamente, Cristina Pedra, Paulo Pereira e André Barreto que abordaram o assunto. E foi precisamente o gestor hoteleiro que comentou, num primeiro momento, a recente massificação turística do destino.
Tendo por base as últimas declarações de Miguel Albuquerque sobre o tema - que classificou como uma "anedota" a massificação do turismo na Madeira - André Barreto contrapôs o argumento utilizado pelo presidente do Governo Regional de que o arquipélago ainda tem "margem de crescimento" tendo por base as 51 mil camas disponíveis.
Afirmar que um destino não está massificado porque tem 51 mil camas é - e vou parafrasear o senhor presidente do Governo, sem querer faltar ao respeito evidentemente - isso sim uma anedota. A massificação não se mede pelo número de camas, mas pela capacidade que o espaço tem para conseguir que estas pessoas que ocupam estas camas tenham uma boa experiência no destino, que dele falem à posteriori e se possível queiram voltar (...) eu sempre defendi o não estabelecimento de tectos máximos de camas, mas sim de percentagens máximas de crescimento ao ano dessas camas. Isto é o que dá aos espaços a capacidade de se adaptarem sem dor, porque isto sim é que é crescer de forma sustentável. Isto sim é que é pensar, planear e prever. Não é esta pressão a que se assiste em alguns dos locais mais visitados. Não é um problema bom. É um problema evitável que o não foi por opção do Governo. André Barreto
O economista coloca ainda diversas questões. “A pressão dos recursos humanos também é um problema bom? Quando percebemos as consequências que já está a ter na qualidade do serviço que se presta e que vai diminuir?”, indagou André Barreto, sublinhando que “a Madeira está a crescer depressa demais”.
Barreto também considerou não estar certo “destas 51 mil camas, porque para efeitos estatísticos o Alojamento Local só conta se tiver mais de 10 camas, portanto, faltam aqui todas as unidades que têm menos de 10 camas”.
Este será o melhor Verão de sempre para o Turismo, perspectiva Albuquerque
O sector do Turismo na Região Autónoma da Madeira prevê um Verão em grande, anunciou esta terça-feira, 7 de Junho, o chefe do Executivo madeirense, Miguel Albuquerque.
Paulo Pereira corroborou da visão partilhada pelo colega de painel e relembrou que “o crescimento que estamos a ter é oportunístico por toda a situação que se tem gerado internacionalmente”, embora reconheça “algum mérito” histórico pelo facto de a Madeira “conseguir ser um polo atractivo nestes momentos”. Fase de muita afluência que é gerada pelo “efeito de pós-restrições” e “questões de guerra”.
Relativamente à margem de crescimento, o presidente da delegação regional da Ordem dos Economistas deu como exemplo as “decisões dos investidores privados para fazerem novos hotéis e darmos um salto quantitativo” e comparou com “a história do Porto Santo”.
“O que é que nasce primeiro? Temos de ter hotéis para ter mais voos. Se eu não tenho escala não atraio mais companhias aéreas, porque sou muito pequenino. Se não tenho escala porque não tenho companhias aéreas então que sejam os privados a tomarem decisões de investimento consertadas”, explicou, admitindo que “é difícil” haver soluções “porque os melhores lugares na orla costeira estão praticamente tomados para aumentar significativamente este número”.
Pode haver impactos brutais na nossa paisagem e mesmo a nível de qualidade de vida dos locais. Temos aqui um desafio que é aproveitar o momento e já estamos a aproveitá-lo. Paulo Pereira
“Está a ser notícia o caos em muitos lugares” e Paulo Pereira garantiu que chegaram-lhe informações de pessoas ligadas à natureza de que “existem centenas de potenciais trilhos que estão praticamente abandonados”.
“Os famosos caminhos reais - que aprendi que existiam, por acaso, porque o presidente do Governo era muito preocupado com eles, mas depois foi ocupado por outras paixões - e tudo isso se for arranjado vai naturalmente dispersar”, atirou, apontando o dedo a uma potencial solução.
Descobri por acaso que o ecoturismo marinho rende cerca de 210 milhões de euros por ano nos Açores. Só as actividades de observação de cetáceos rendem 80 milhões de euros por ano. Se conseguíssemos desenvolver algo parecido iriamos desanuviar pressão nas montanhas. Paulo Pereira
André Barreto complementou. "A observação de pássaros representa nos Açores 80 milhões de euros ano. Nós, no melhor sítio para observar pássaros vamos construir um campo de golfe. Não é giro? Tenho dito".
Numa das artérias principais desta cidade foi deixada construir uma coisa. Eu chamo aquilo o LEGO, uma construção modelar, num terreno que noutro tempo era para parque de estacionamento, mas depois foi convertido em unidade hoteleira. Fez-se ali uma doca para um autocarro conseguir parar e eu assisto a isto de um restaurante onde vou com muita frequência. Eram mais de 100 pessoas - eu contei - que se dirigiam a esta unidade hoteleira que tem capacidade na sua recepção para ter lá dentro, no máximo, seis pessoas apertadas. Portanto, tem seis pessoas a fazer check-in e 100 e tal pessoas paradas no passeio, nesta que é uma das artérias principais da cidade do Funchal, a entupir quem quer passear e a circular livremente. André Barreto
Quanto a Cristina Pedra o crescimento “é inevitável”. Segundo a vice-presidente da Câmara Municipal do Funchal “todo o 'trade' reconhece e está na expectativa que 2022 será um ano para bater recordes” porque “há mais oferta de transporte aéreo, há mais companhias, há mais ligações directas, há maior número voos e os aviões têm ocupação superior a 90%, portanto, há de facto uma quantidade considerável para a nossa realidade geográfica”.
“Também é verdade que o turista procura experiências e procura satisfação com as experiências e não massacre, por exemplo, não ter uma vida harmoniosa, não ter uma gestão da própria cidade ou dos percursos. Exige planeamento que faz parte da logística inerente à estadia e que com este afluxo de turistas o melhor é sermos um cartaz de fidelização e de repetição. Só se consegue isso se for uma experiência gratificante e que até se recomende”, explicou a autarca, acrescentando que a cidade do Funchal “está-se a preparar para uma dimensão muito maior”.
Cristina Pedra deu como exemplo os investimentos em questões de mobilidade, no próprio PDM, na monitorização e prevenção com tecnologia nos circuitos da água ou até mesmo na segurança na cidade, com um investimento que vai “agora avançar em câmaras de videovigilância”. A edil admitiu que esta nova vereação partiu “de uma base que não está estruturada, que está deficitária e sem os investimentos necessários”.
Eu acho que os grandes problemas que aparecem rotulados com o turismo são problemas de gestão e não propriamente específicos de um sector em concreto. A Madeira terá sempre capacidade para crescer, nomeadamente nas suas valências, experiências e qualidade, porque deve estar posicionado para um mercado de qualidade. O poder de compra de um turista é diferente da massificação que nós identificamos. Cristina Pedra
Pontinha? Palma, Veneza e Dubrovnic estão a fazer o caminho inverso
A ampliação do Molhe da Pontinha voltou a ser amplificada na antena da TSF-Madeira. André Barreto foi novamente anfitrião e começou por admitir que não conhece “nenhum dado indicador ou sequer facto minimamente razoável, para além dos que possam ser apresentados pelas empresas de construção civil, construtores de tetrápodes ou produtores de cimento, que justifiquem sequer considerar o aumento do Porto do Funchal”.
Digo isto sem ter em consideração os dinheiros da Europa e as contribuições que podem aí vir a fundo perdido, até por estar bem ciente das consequências que decisões passadas baseadas nesse pressuposto têm no nosso presente, tiveram no nosso passado e vão ter no nosso futuro. Eu pensei que ao menos essa lição já estava aprendida, mas aparentemente não. S André Barreto
Ampliação do Porto do Funchal está "mal estudada"
António Trindade, Ricardo Vieira e Miguel de Sousa falaram sobre o assunto colocado em cima da mesa por Leonel de Freitas
Dubrovnic, Palma e Veneza “são três casos de destinos de cruzeiros que estão neste preciso momento a fazer o caminho inverso ao que aqui se quer levar a cabo”.
“Porquê? Porque as cidades não aguentam tanta gente ao mesmo tempo. Tiveram de passar por isso para chegar a esta conclusão. Eu que não estudei o assunto estou exactamente ao mesmo nível do governante que também não estudou. Onde é que está a análise disto: capacidade de carga. A cidade do Funchal aguenta? Quais são as conclusões a que chegarão se quisessem ter aqui uma discussão séria em relação ao tema? E nem sequer falo de um estudo económico, porque por aí nem vos digo, nem vos conto. Sei bem o que valia um turista de cruzeiros há 30 anos e sei bem o que gasta um turista de cruzeiros hoje”, rematou o gestor hoteleiro.
Sobre a hipótese levantada, na última semana, por Miguel de Sousa, sobre a construção de uma nova infra-estrutura aeroportuária, André Barreto defende outra ideia.
Mais Pontinha ou novo Aeroporto?
Está na ordem do dia a perspectiva do Governo Regional pretender realizar obra de extensão do cais e molhe da Pontinha.
“Mais aeroporto é diferente de mais um aeroporto. Eu acho que nós precisamos de mais aeroporto. Estar a pensar em mais um aeroporto eu confesso que não acho que seja necessário. Se experimentar pôr a ANAC a trabalhar - coitados, que são pagos para decidir, mas não decidem e depois ainda dizem que neste ambiente não podem decidir. A ANAC é que tem a capacidade técnica de avaliar os constrangimentos actuais. O regulamento actual do aeroporto que é de 1968 e que não foi alterado”, referiu, reforçando que “há quem de direito que diz que 80% dos casos actuais resolvem-se com a colocação de novos radares numa localização mais adequada”. Sendo assim, “os outros 20% têm de ser resolvidos com um bom plano de contingência”.
Quando é cimento é tramado. Do cinzento gosto da nossa areia. Do outro cinzento, esse que tanto tem prejudicado as nossas vidas ao longo de décadas, desse estou honestamente farto. André Barreto
Já Paulo Pereira prefere a solução de resolver o problema que temos no aeroporto “e que ainda nem o começamos a resolver verdadeiramente”.
“Uma das lógicas de decisão seria o concelho que tivesse mais jactos privados per capita para localizar aqui na Madeira um novo aeroporto. Agora, Tenerife tem cerca de 6 milhões de turistas por ano e num ano normal nós temos cerca de 1,2 milhões. O custo de uma aventura destas, quando nem sequer se consegue resolver uns radares...”, mencionou, fazendo depois alusão ao próprio impacto visual e ambiental: "Se há manifestações para pôr peixe em quatro jaulas quanto mais um aeroporto".
Acho que se deve estudar os dossiers. Em relação ao Porto... pode contar como aspecto a investir uma ampliação por questões de segurança, por exemplo (…) Do aeroporto, que estudo poderá existir? Para pôr onde? Em que zona? É uma zona que vai estar sem a limitação dos ventos? Mesmo o nível de vento não era aquele a que se assistia há 30 ou 40 anos, apesar de ser sempre uma zona muito própria, a de Santa Cruz. Como é que se financia? Que meios existem? É uma contracção da dívida que fica para os netos dos nossos netos? Cristina Pedra