Crónicas

São algas senhor, são algas

1. Disco: podia escrever a crónica toda sobre o último disco dos Arcade Fire. Evito cair nessa tentação. “We” é um disco feito em volta da novela distópica com o mesmo nome, do dissidente soviético Yevgeny Zamyatin. Tudo transportado para a realidade que vivemos agora. As letras são potentes e densas, cheias de significado. Na faixa “Age Of Anxiety II (Rabbit Hole)”, Win Butler pede que “somebody, delete me”, quando logo na primeira faixa faz um apelo: “fight the fever with TV, in the age when nobody sleeps”. E se tudo parece tão mau, ninguém como os Arcade podiam acabar com uma música que transpira esperança. É isso que acontece. Depois de irmos ao fundo, somos transportados para cima com leveza e enlevo. Grande disco.

2. Livro: depois do que escrevi acima, não é difícil adivinhar o que aí vem. Infelizmente, Yevgeny Zamyatin nunca foi editado entre nós. Li-o em inglês, mas também há uma edição brasileira e não é difícil arranjar em pdf na ‘net’ (mas não digam a ninguém que fui eu que disse). O livro é de 1924 e, diz-se por aí, que influenciou grandemente o “1984” de Orwell. Zamyatin foi um devoto bolchevique que cedo começou a perceber que as revoluções, se não travadas, acabam sempre da mesma maneira. As distopias nunca analisam o futuro. Olham para o passado e desfazem o caminho que percorremos, desmontando-o, tentando prever a lógica perversa do próximo passo. Quando Zamyatin escreveu “Nós”, uma estrutura autoritária era substituída por outra. Uma nova ditadura que o escritor adivinhava tão má ou pior do que a deposta, apoiada num salto tecnológico para a modernidade, criando ferramentas de controlo ideológico: a propaganda, a mentira, o bufo, etc.

3. Volto a um assunto que penso ser tão grave como a Marina do Lugar de Baixo: as Algas do Porto Santo, mais um desvario da governação socialista laranja.

Esta brilhante ideia, tem muito potencial para conseguir superar a Marina do Lugar de Baixo, visto que o investimento afundado já supera os 45 milhões de euros. A trapalhada foi de tal forma que houve verbas comunitárias que tiveram que ser devolvidas ao IDE. E a “alga” continuou a crescer…

Em vésperas das últimas regionais, havia quem elogiasse aquela coisa horrível à entrada do molhe do Porto Santo, que ia ajudar a tornar a Ilha Dourada autossustentável, no que à produção de electricidade dizia respeito. A conhecida fábrica das algas, já serviu para anunciar muitas coisas: da produção de gás, a geleias, passando por produtos de biomédica e de cosmética.

O actual Presidente da Empresa de Electricidade da Madeira reconheceu, na RTP-M, que aquilo não tem utilidade nenhuma. Custou um pouco menos do que foi gasto na Marina do Lugar de Baixo e muito mais do que a Fábrica das Moscas, mas com o mesmo fim: a inutilidade.

O interessante é que aquela fábrica continua a produzir… NADA. Temos, na Madeira, a primeira fábrica de NADA do mundo. Somos tão bons, que até conseguimos ter uma fábrica, com trabalhadores e máquinas a funcionar, que não produz coisa nenhuma.

Na ex-URSS, os níveis de produção eram sempre extrapolados. Se uma fábrica produzia y, anunciava produção de y x 10. Aqui, neste socialismo laranja onde vivemos, produzimos, numa fábrica, algo que nunca passou pela cabeça dos gestores soviéticos: produzimos NADA que, se for multiplicado por dez, continua a dar NADA como resultado.

A ideia inicial que presidiu a este projecto, foi a de tornar o Porto Santo autossuficiente, em termos energéticos. Era a “bioelectricidade” que a “bioenergia” produziria. Alberto João Jardim chamou-lhe o “primeiro campo biopetrolífero do mundo”.

Em finais de 2017, uma das saídas para esta monumental incompetência já era a alimentação, como dava conta uma peça da RTP/Madeira. O presidente da EEM da altura dizia, mesmo, que isto era um “contributo enorme que a região está a dar para este novo conceito”. O mundo, mais uma vez, aos nossos pés.

No início desse ano, em Março, a produção de energia seria iniciada em Abril, ou seja, um mês depois. Foi? Claro que não. E o tempo passou.

Chegamos a 2019, ano de eleições regionais. Pedro Calado, o Tudo Promete, vice-presidente do governo, na altura, afirmou, alto e bom som, que aquele sorvedouro de dinheiros públicos e comunitários, ia exportar algas secas. Nada de energia, nada de biscoitos ou geleias. O actual edil do Funchal, absurdamente optimista, referia contentores carregados de algas a saírem do Porto Santo. Eram dois milhões de euros de receita, mas sem nunca falar da despesa. O capcioso engodo continuava a impressionar tontos, com o número de 30 toneladas de bioalgas! Se 30 toneladas iam gerar 2M€ então isso significa 67€ por quilo de algas. Era óbvio que seria difícil rentabilizar algas que se venderiam a preço de lagosta.

Em 2019 (porque são os últimos dados a que conseguimos ter acesso) só em recursos humanos, a estrutura tinha 48 (!) funcionários. Que recebiam o seu ordenado pago com o resultado da venda de NADA.

Com contratos estranhos, tubos de qualidade duvidosa, patentes em Offshores e sucessivas brigas e mudanças de accionistas, o projecto mostrou ser um flop. O actual presidente da EEM, merece da nossa parte os parabéns, por ter a coragem de acabar com tamanha inutilidade.

Mas, se pensavam que isto ia ficar assim, desenganem-se, porque, entretanto, mudou tudo. A sócia da EEM, a Buggypower, desencantou mais 2 milhões de euros para enterrar nas algas, ao abrigo do programa PROCiência 2020, contando com o apoio do Sistema de Incentivos à Produção de Conhecimento Científico e Tecnológico da Região Autónoma da Madeira. Agora vêm aí os fotobiorreatores e, outra vez, os sectores alimentar, farmacêutico e cosmético. Agora é que é. Agora é que vai ser. É desta.

Na nossa perspectiva, a Madeira está a saque. Já não se disfarça nada. Vale tudo, porque pensam que somos acéfalos, seres incapazes de ver e perceber o que se passa. Compete-nos a todos, mas mesmo a todos, denunciar esta pouca-vergonha. Não nos vão calar.

Estas algas exalam um cheiro putrefacto e mereciam ser devidamente investigadas por quem de direito. Acham? Esperem sentados.

4. José Manuel Rodrigues está no limite da paciência, no que respeita ao comportamento dos deputados na Assembleia Regional. Devíamos estar todos no limite da paciência.

Sou dos que acreditam piamente que o debate de divergências e desacordos, pode ser conduzido cordatamente, de modo inteligente, com calma e serenidade.

Que se pode dizer tudo o que nos vai na alma. Do modo e no momento certo.

Não gosto dos debates na ALRAM. Acreditem que tive esperança que os modos mudassem, com este dito “novo paradigma” que cheira a velho que tresanda.

O Presidente da Autonomia Socialista da Grande Laranja, fez, no debate mensal, entre outras coisas, uma série de apreciações sobre impostos. Não perderei muito tempo com o que foi dito, porque não tenho pachorra.

Ficarei só pela questão do IVA.

Como se lembram, este imposto subiu para 23% (22% na Madeira devido ao PAEF), por altura da Troica. Disse, o Sr. Presidente, e com razão, que quando o Governo do socialista Costa baixou o IVA da restauração de 23 para 13%, isso não se reflectiu nos preços aos consumidores. O que não disse foram várias coisas que não lhe convinham: que houve empresários que não aplicaram o aumento do imposto, absorvendo-o na margem de lucro e/ou reduzindo os custos em pessoal; que outros só aplicaram o aumento em parte; outros, ainda, baixaram os preços, quando o percentil do imposto baixou, em parte ou no todo; e houve uma maioria que aumentou o imposto e nunca o desceu.

Com o aumento do imposto na restauração, o número de clientes reduziu-se significativamente, levando os empresários a dispensar trabalhadores.

Com a redução do IVA verificaram-se outros efeitos que Albuquerque esquece. E não são despiciendos. O principal, e segundo a AHRESP e o INE, foi o que possibilitou que, ao fim de um ano, o sector tenha criado 30 mil empregos, sendo, na altura, o principal factor responsável pela dinâmica de emprego a nível nacional. Um aumento de 6,7%, quase o dobro dos outros sectores de actividade.

Sobre o IVA muito mais havia a dizer, mas a ditadura dos caracteres impede-me de o fazer.

As leituras simplistas da economia são lixadas, não é?